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REPORTAGEM                        ,                                                                                                     REPORTAGEM


                                        ‘MIGAITAS









                    FIGURA MÍTICA DA RESTAURAÇÃO MINHOTA












































               M            inhoto de gema, Domingos Fernando Soares Teixeira   mãe. As mulheres eram umas escravas. Tive de ir trabalhar por obrigação
               TEXTO: Ricardo Moura

                            ficou popularizado, a partir dos anos 80, com o nome
                                                                       porque o que eu desejava era estudar”.
                            ‘Migaitas’ ao erguer um carrocel de investimentos na
                                                                       Dos 14 aos 22, o ofício que encontrou foi numa companhia de seguros. A
                            área da restauração. Para muitos, um homem à frente
                            dos outros que cedo conquistou admiradores e inveja.
                            Um visionário que andou por Cuba sem nunca perder   função de paquete abriu-lhe horizontes e aguçou-lhe o ouvido.
                                                                       “O 25 ABRIL TROUXE-ME TUDO”
               o sentido no negócio. A caminhar para os 70 anos, ainda sonha com um
               espaço onde pretende “criar um clube de amigos fumadores de charu-  A Revolução dos Cravos foi o ponto de viragem na vida do entrevistado:
               tos”. Até lá, inala o cachimbo da paz até deixar via aberta para a descen-  “pude estudar. Fiz o 12.º ano. Trouxe-me tudo porque nós tínhamos medo.
               dência na esperança de “chegar aos 100 sem chatear ninguém”.  Ou da polícia, ou do padre…sei lá…estávamos isolados!”. Por meses, escapa
                                                                       à Guerra Colonial. O salário quase que duplica. “Passei a ir a Vigo. Havia
               Anos 60. Portugal vivia a preto e branco com os golos de Eusébio e o canto   comboio…queria ver o que se passava fora de Braga”, lembra. A sede de
               de Amália. A capital do Minho estava vergada pela austeridade de um país   conhecer era tanta que aos 19 anos aventura-se e faz, sozinho, um Interrail
               sem chama onde pontificava o Clero que “tudo dominava” a par do Gover-  pela Europa: “quis conhecer outros países como a França, Alemanha, Áus-
               nador Civil. É nesta ‘estrada cercada’ que um puto irrequieto pulava entre   tria, Holanda…”
               a escola primária de Maximinos e a tasca A Canhota propriedade do avô.
               “Aproveitava os intervalos da escola e ia encher os copos e as malgas de   No entanto, foi bem mais perto que viu algo que o atraiu. Quando pisou
               vinho”, confidencia Fernando ‘Migaitas’.                Torremolinos, cidade na província de Málaga e da comunidade autónoma
                                                                       da Andaluzia, observou a noite com outros olhos. Os bares estavam ávidos
               Com oito irmãos num seio austero pela mão rude do pai, o pequeno Fer-  de liberdade, imagem bem diferente do que acontecia na terra que o viu
               nando fez-se cedo à vida. Com 10 anos já trabalhava numa loja instalada   nascer: “a noite em Braga era proibitiva”. Girava por todo o lado sem carta
               na Rua do Souto: “o ambiente em casa era fraco. O meu pai batia na minha
                                                                       de condução: “ainda hoje não a tenho. Para quê? Pago e vou!”.

               64                                                JULHO · 2025                                #SIMatuaREVISTA
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