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REPORTAGEM REPORTAGEM
PATRÍCIA SOUSA
Alma do projeto O Amor Supera Tudo
TEXTO: Ricardo Moura
FOTOS: Hugo Delgado
Entramos numa casa branca erguida junto a uma não se via a não ser assim. Fosse contra quem fosse ou a favor de quem
estrada movimentada do concelho de Barcelos. fosse. Um bálsamo nunca tricotado que a levou a seguir em frente com as
escolhas que quis.
O cimento e a lama que a envolve contrasta com o Nesse tempo, os dias eram largos. Excessivamente abertos. As noites es-
abraço de paz que cedo recebemos. É nele que va- tendidas. Dava para tudo. No entretanto, esteve na génese da fundação
da Associação Humanitária de Dádiva de Sangue de Barcelos. Uma jovem
mos cozer e saborear O Amor Supera Tudo, notável com ‘sangue na guelra’ que brilhou - por ocasião dos 75 anos do Corpo Na-
projeto de Patrícia Sousa, minhota de gema, de pa- cional de Escutas – de sorriso aberto junto a Jorge Sampaio, então Presi-
lavra fácil, que gosta de abraços e que tem os olhos dente da República.
colados no amor. JORNALISMO
Houve sempre jornais nos tascos da aldeia. A maioria pegava nos des-
Foi menina de muitos planos, envolvida em quase tudo que mexia com o portivos. Um ou outro pincelava o olhar pelos matutinos da região. Patrícia
brio da freguesia de Martim, plantada no extenso município de Barcelos. estava sempre à cata do Comércio do Porto, um histórico fundado no sécu-
Esteve no núcleo fundador do Agrupamento de Escuteiros 1204 – Corpo lo XIX, que já por essa altura, dava sinais de navegar em mar alto. Ora pelo
Nacional de Escutas e no Movimento Independente que conquistou as grafismo, ora pelo contar diferente, disse para si que um dia iria lá trabalhar:
eleições, há mais de 20 anos, para espanto de muitos. Pelo meio, criou uma “todos os dias lia o Comércio do Porto. Na hora de escolher, na ida para a
equipa feminina de futebol. Universidade, optei por ele. Estagiei e fiquei. Foram dois anos e só fui em-
Por essa altura, o mundo de Patrícia Sousa era um jardim perfumado. bora quando o jornal foi vendido. Já estávamos com ordenados em atraso
Tudo era vida e gente. Muita. Cresceu por entre irmãos, primos, sobrinhos, até dizer chega”.
tios e pais tranquilos. Nunca houve pedras num percurso de abrigo: “a mi- Patrícia tinha 22 anos quando chegou ao Porto. Na invicta não viveu o
nha casa sempre foi o porto seguro de toda a família”, confidencia. meio académico, tudo porque o coração batia com as mil e uma atividades
A infância foi feliz com espelho na avó materna que cedo lhe incutiu ar- em que estava embrenhada no Minho. As batidas por minuto do coração,
mas para derrotar o medo: “eu digo sempre que a minha infância foi muito nessa era, também tinham prego a fundo sempre que havia “um namori-
feliz. Com episódios engraçados como este que conto pela primeira vez. A co”. Muitos “desabafos deixados num diário” que um dia foi assaltado pela
minha avó vendia pão. E desde pequena ia com ela, antes de ir para a es- curiosidade de um familiar. Um aperto que serenou pelo pedido de descul-
cola. Ela levava a canastra grande e eu a pequenina. Ia pelos caminhos fora pas que ouviu.
e eu dizia bom dia a toda a gente. E porquê? Porque tinha muito medo de Apesar da casa não ter livros à solta, esta mulher com alma de Martim, lia
cães. Então a minha avó dizia-me: diz-lhes bom dia que assim vão conhe- tudo o que podia. Escrevia o que via e o que imaginava. Na escola, as reda-
cendo a tua voz e já te deixam passar”. ções eram as melhores. Não pasmou a primeira linha que rubricou quando
Única rapariga na família até aos 13 anos, Patrícia era o sol do pai. Um amor decidiu tirar a licenciatura em Comunicação Social (1995-2000), na Uni-
incondicional que sarapantava qualquer sobressalto. Foi sempre assim e versidade do Minho.
60 JANEIRO · 2025 #SIMatuaREVISTA