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LIVRO
referiu o responsável, valorizando “o importante trabalho que está a ser de-
senvolvido por Anabela Leal de Barros, fazendo da diversidade da cultura
e língua portuguesa um espaço de unidade partilhado por uma larga co-
munidade lusófona”. “São, realmente, trabalhos de investigação como o de
Anabela Leal de Barros que dão sentido a tudo o que fazemos no âmbito
das competências interdisciplinares do CEHUM”.
Vítor Moura, diretor do CEHUM – ELACH, destaca a importância deste
projeto de investigação, considerando-o como “um dos que mais têm con-
tribuído para distinguir o trabalho do centro no panorama nacional, pre-
cisamente pelos projetos que desenvolve no terreno ao nível das artes, da
cultura, da música e da linguística e também ao nível das ligações a territó-
rios como Macau e Timor, no extremo Oriente”.
O responsável sublinhou, ainda, o facto de o trabalho de recolha e fixação
da literatura oral timorense, liderado pelo Grupo de Estudos Luso-Asiáti-
cos, ter sido recentemente um dos projetos mais destacados pelo Painel
Internacional de Avaliação do CEHUM, que o considerou “único no mun-
do”, sobretudo pelo interesse no desenvolvimento desta ligação Portugal
– Timor-Leste.
A OBRA: ‘O REI DAS SETE ESPOSAS – CONTOS E LENDAS DE
TIMOR LESTE’
“Timor é um território muito acolhedor e de gente muito acolhedora, e exis-
te, de facto, uma ligação muito forte, próxima e intensa entre a comunidade
timorense e a comunidade portuguesa”, assinalou Micaela Ramón, profes-
sora do Departamento de Estudos Portugueses e Lusófonos da Escola de
Letras, Artes e Ciências Humanas da UMinho e responsável pela apresen-
tação crítica da obra ‘O Rei das Sete Esposas – Contos e Lendas de Timor
Leste’.
A publicação reúne 23 contos e lendas diferentes, a que se junta um con-
junto significativo de fotografias de Paulo Ribeiro e Anabela Leal de Barros,
exibindo, por exemplo, os tais – tecidos coloridos, artesanais, que diferen-
O PROJETO DA UMINHO E PARCEIROS ciam os municípios timorenses. As histórias narradas fazem parte do ima-
ginário simbólico timorense e, por isso, é preciso saber ler e olhar para elas
Desde 2002 que o Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do “sem preconceitos ou atavismos modernos quanto a estereótipos”, vendo-
Minho (CEHUM), juntamente com uma série de parceiros, entre os quais -as como projeções do passado no tempo presente.
a Fundação Oriente, tanto a sede, em Lisboa, como a delegação de Díli, a
Universidade de Macau, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia, o Ca- “O português não é uma língua de Portugal”, mas “uma língua partilhada
mões I.P. e a Embaixada de Portugal em Timor-Leste, sempre com o apoio por uma vasta comunidade de outros povos, que a usam como veículo para
da Ritmos e Reflexos de Paulo Ribeiro, para a fotografia e reportagem de as suas criações literárias”, sustentou. Assim acontece em Timor-Leste –
eventos, está a desenvolver este projeto de recolha e fixação de contos ti- um território em que o português não é a língua diária para a comunicação
morenses, alguns dos quais de registos gentios, autóctones, com presença quotidiana, mas que, tal como nos mais diversos contextos da Comunidade
da antropofagia, da poligamia, do incesto, de alguma violência, outros já in- dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), além de Macau, é a língua que é
fluenciados pelo catolicismo, abordando as mais diversas temáticas como usada como matéria-prima para a criação literária”.
formas de oferecer pautas éticas ou de constatar e lidar com a tristeza e Indicando o sistema literário português como “heterogéneo” e “bastante
com o luto. Até ao momento atual, já foram recolhidas 273 histórias, junto consolidado” em literaturas como a brasileira, angolana e moçambicana,
de cerca de 212 informantes, resultando em sete obras publicadas desde Ramón salienta o fato de existirem outras que permanecem ainda na peri-
2014.
feria do sistema, mas que trabalhos como o de Anabela Leal de Barros têm
Um dos objetivos do projeto, desenvolvido em terras timorenses por Ana- permitido “avanços” no sentido de lhes conferir mais visibilidade.
bela Barros, com a UMinho e parceiros, é que esta recolha de contos tenha Relativamente ao sistema literário timorense, e apesar de Timor-Leste ser
consequências literárias e pedagógicas efetivas, uma vez que os manuais ainda uma “jovem república democrática”, com pouco mais de um milhão
pelos quais os timorenses aprendem não têm refletido o seu próprio imagi- de habitantes e uma grande diversidade cultural e linguística, “não significa
nário e identidade culturais, tornando o processo de ensino-aprendizagem que não seja um país de criação literária forte”. “Os timorenses falam várias
mais difícil.
línguas, a materna e também o teto, que é língua oficial, para além do por-
Na realidade, trata-se de ajudar o povo timorense a ver refletida a sua cul- tuguês, enquanto língua co-oficial do território”, referiu Micaela Ramón.
tura nos livros pelos quais estudam. “Trata-se de promover a preservação Dado que “a literatura tradicional timorense é de nascença oral, ou seja, é
da literatura oral”, para que possa ser depois utilizada nos manuais escola- uma oratura”, a recolha do património oral nas diversas línguas naturais de
res, indo ao encontro da expressão e vivência do povo timorense, ao invés Timor, que é convertido depois para português, é extremamente importan-
de promover um sistema de ensino-aprendizagem baseado na literatura te para a preservação da memória e identidade do povo timorense”.
portuguesa, brasileira, africana, espelhando apenas realidades e mentali-
dades alheias aos aprendentes. A investigadora recorda que este trabalho de recolha do património oral
timorense já não é novo e que começou a ser feito pelos jesuítas há mui-
O diretor do CEHUM, Vítor Moura, frisou que “é muito bom para quem tra- tos séculos. “É de realçar o facto de, em pleno século XXI, continuarmos
balha com línguas e culturas a experiência em português de como literatu- a realizar este trabalho com sistematicidade, rigor e, sobretudo, com a
ra#[falta algo aqui?] de língua portuguesa que não se esgota em Portugal, preocupação de que estes contos e lendas cheguem ao grande público”,
ou Portugal e Brasil”.
frisou Ramón, acrescentando que este é um grande contributo “para a ora-
“A riqueza da língua portuguesa está precisamente no pluricentrismo, ou tura timorense, para os mais de 260 milhões de leitores da comunidade da
seja, no facto#[dizemos sempre “facto, contacto”, pelo que não podemos CPLP, para o Património Mundial da Humanidade e para a relevância que,
escrever sem c, como fazem no Brasil] de ser uma língua de várias culturas”, realmente, a língua portuguesa pode ter”.
58 JANEIRO · 2025 #SIMatuaREVISTA