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CRÓNICA
DEZEMBRO É LUZ
D ezembro está a chegar. Sentes isso, não sentes? Não coragem para poucos. Muito poucos.
POR MUITO QUE DOA
é só no calendário — é no ar, nas ruas, nas lojas cheias
Sabes, há uma beleza crua em reconhecer o que dói e
de luzes, nas conversas que giram em torno de listas de
ainda assim continuar. Cuidar de ti, respirar fundo, sim-
presentes, nas mensagens que falam de festas e reen-
plesmente existir — isso já é resistência. Um manifesto si-
contros. O mundo inteiro parece em contagem decres-
lencioso, mais humano do que qualquer música natalícia
cente para um espetáculo de alegria. Só que não.
poderia ser.
E se tu não estiveres pronto? E se a árvore continuar guar-
dada na caixa? E se os convites para jantares de Natal da
silenciosa? E se dezembro fosse, também, uma chance de
empresa, de amigos, de vizinhos, da equipa de futebol, do
repensar o que realmente importa, de questionar as re-
grupo de dança... soarem vazios, forçados, quase cruéis? E E se dezembro fosse, afinal, uma oportunidade de reflexão
gras invisíveis que te dizem “como se deve viver”, “como
se comprar presentes parecer um gesto automático e sem se deve sentir”, “como se deve celebrar”? E se dezembro
sentido?
fosse, ainda, um convite para olhar o detalhe das coisas
Está tudo bem. A sério. Ninguém te contou isto, mas de- pequenas — o chá quente, o som da chuva, o toque de uma
zembro também pode ser um mês de ausência. Enquanto fotografia antiga.
uns contam os dias para o Natal, outros pedem para que Talvez o verdadeiro sentido do mês mais esperado (ou
janeiro chegue rápido. Cada luz que pisca parece um lem- não) do ano não esteja nas luzes lá fora, mas na luz ténue
brete do que falta. Cada canção alegre pode abrir uma fe- que ainda guardas, mesmo que não a consigas ver. Talvez
rida. Cada abraço pode ser o eco daquele que já não che- o maior ato de rebeldia neste mês seja simples: escolher
ga. É cruel, eu sei. Mas é real. o teu próprio ritmo. Escolher a tua própria dor. Escolher o
Não há manual para atravessar o mês mais esperado (ou teu próprio silêncio. Seguir a tua luz. Seguir o teu coração.
não) do ano — muito menos quando estás a viver o luto. Se as próximas semanas te parecerem pesadas, se te lem-
Não há regra para o que deves sentir, quando sorrir, o que bram que nada será como antes — respira. Não há pressa.
decorar, ou que festas aceitar. O verdadeiro ato de cora- Não há guião. Apenas a coragem de seguir o teu próprio
gem, às vezes, é invisível: ficar em silêncio quando o mun- caminho, de honrar as tuas emoções, de aceitar que algu-
do grita; deixar a casa como está; recusar os convites; cho- mas feridas não cicatrizam no tempo que o mundo quer. E,
rar sem pressa, sem vergonha, sem disfarce. Porque cada no meio disso, talvez percebas: sobreviver já é vitória.
pequeno gesto teu é, na verdade, um voo — mesmo que
pareça rasteiro. Um voo para dentro, onde o coração tenta E quando o próximo mês terminar, pergunta-te: vivi de-
encontrar espaço entre o que foi e o que ficou. zembro para os outros ou para mim? Se for para ti, então
conseguiste o essencial. Sobreviveste. Escolheste sentir,
O luto, o cansaço, a ansiedade — tudo isso cresce quando escolheste a verdade, escolheste a humanidade, esco-
o mundo acelera. E tu, aí, a tentar acompanhar, sem for- lheste seguir a tua luz no meio da dor e do caos. E isso
ças. Mas está tudo bem parar. Está tudo bem dizer: “hoje — esse simples e cru ato de continuar — é o teu voo. Um
Patrícia Sousa não”. Está tudo bem escolher a tua própria paz, mesmo voo sereno, talvez lento, mas teu. E, acredita, ninguém voa
que pareça egoísta. Porque não é egoísmo — é instinto de desalmadamente para dentro da dor sem sair dela trans-
O AMOR SUPERA TUDO
sobrevivência. E viver sem circo e sem palco é um ato de formado.
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Literacia do luto - Sessões de Informação
Storyteller de Histórias de Vida de
Pessoas Especiais que já Morreram
Guia do Caminho de Santiago
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64 NOVEMBRO · 2025 #SIMatuaREVISTA

