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CRÓNICA SAÚDE
SETEMBRO E O SILÊNCIO
DOS RECOMEÇOS
S etembro chega sem pedir licença. O verão morre rar rostos que não voltam, no coração que dispara
com cheiros ou músicas que já não deviam ter tanto
devagar e, no seu lugar, instala-se o ruído invisível
poder. É uma luta íntima, escondida debaixo de ca-
das rotinas: despertadores, corredores, relatórios,
sacos bem passados e sorrisos profissionais.
e-mails que nunca mais acabam, mochilas pesa-
das de sonhos e tupperwares sem graça. Mas, no
Setembro, com os seus dias mais curtos e luz oblí-
fundo, Setembro traz algo mais cruel: o silêncio
dos recomeços. O silêncio de quem carrega lutos
que fazes com a tua dor? Transformas ou escondes?
que não aparecem em fotografias nem nas redes
Usas a ausência como corrente ou como combustí-
sociais. Lutos invisíveis — por pessoas, por versões qua, não consola. Provoca. É o mês que pergunta: o
vel? A saudade é peso ou ponte?
de nós que já não voltam, por vidas que ficaram no
“se tivesse sido”. Talvez o segredo esteja aí: em transformar perdas
em atos. Em deixar que cada gesto — por mais ba-
Ninguém fala sobre isso. Espera-se que sorriamos, nal, como tomar café ou enviar uma mensagem — se
que respondamos “está tudo bem” enquanto sabe- torne uma homenagem aos que partiram. Não se
mos que não está. O luto não é apenas ausência. É trata de esquecer. Trata-se de integrar. De reconhe-
mutação. É caminhar por ruas familiares com passos cer que o amor e a dor são inseparáveis, que viver
que já não reconhecemos. É aquele lugar à mesa é caminhar com fantasmas e, ainda assim, avançar.
que permanece vazio, aquela mensagem que nun- Setembro não é apenas o fim do verão. É o mês da
ca chegou, o eco de uma gargalhada que agora dói coragem crua. De sentir até ao nervo. A coragem de
mais do que conforta. continuar com o coração em pedaços, de criar fu-
Recomeçar é uma violência disfarçada de rotina. É turos com a memória a sussurrar no ouvido, de re-
ser forçado a existir quando uma parte de nós mor- conhecer que a vida não devolve, mas transforma.
reu. É acordar numa segunda-feira qualquer e per- Recomeçar, afinal, não é um luxo. É um ato de re-
ceber que levantar da cama é, por si só, um ato de beldia. É dizer ao mundo: “Sim, perdi. Sim, dói. Mas
resistência. ainda estou aqui.”
O luto mora nos detalhes: na mão que hesita ao E estar aqui — mesmo quebrado — é talvez o maior
atender o telefone, no olhar que insiste em procu- recomeço de todos.
Patrícia Sousa
O AMOR SUPERA TUDO
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Literacia do luto - Sessões de Informação
Storyteller de Histórias de Vida de
Pessoas Especiais que já Morreram
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78 SETEMBRO · 2025 #SIMatuaREVISTA

