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CRÓNICA


                                       QUANDO O VERÃO DÓI
              O                        verão  chega  como  quem  traz  luz,  gargalhadas,   tos bonitas, nem de fingir que o sol aquece um cora-




                                                                                  ção que, agora, só quer sossego. Podes dizer não às
                                       areia quente e promessas de dias felizes. Chega
                                       a brilhar tão forte que quase nos exige felicida-
                                                                                  festas, aos convites, aos “vai-te distrair”. Podes cho-
                                       de, quase nos empurra a vestir sorrisos como se
                                                                                  rar sem explicar, rir quando sentires vontade, ficar
                                       fossem obrigatórios. Mas e quem está a viver com
                                                                                  em silêncio quando as palavras não fizerem sentido.
                                       um buraco no peito? Quem olha para o sol e só vê
                                       sombras?
                                                                                  uma forma de continuar a amar quem partiu. Por-
                                       Fala-se pouco disto. Que o verão também dói. E dói
                                                                                  que a dor não é inimiga da memória; é, muitas vezes,
                                       de um jeito quase incompreensível para quem olha   Permitir-se sentir tudo — sem filtro, sem censura — é
                                                                                  a prova viva desse amor.
                                       de  fora. Porque, enquanto o mundo  exibe  férias
                                       perfeitas, há quem conte os dias não até à viagem   Para quem está à volta, o convite é outro: não quei-
                                       seguinte, mas até que esta época passe — para po-  ram  “consertar” quem  está de  luto. Não  há frase,
                                       der respirar de novo sem aquela culpa de não con-  viagem ou plano que devolva o que foi perdido. Às
                                       seguir sorrir.                             vezes,  o  mais  bonito  que  podemos  oferecer  é  só
                                                                                  presença: estar  lá,  sem  julgar, sem  exigir. Um café
                                       Para quem vive o luto, o verão é uma lembrança viva   em silêncio, uma mensagem sincera. Um “lembrei-
                                       de tudo o que foi e já não é. É ver a mesa posta para   -me de ti” pode significar muito mais do que qual-
                                       menos um. É entrar na água e sentir que falta aquela   quer festa.
                                       gargalhada que sempre nos
                                                                                  O verão dói porque lembra a intensidade do amor
                                        fazia sentir mais leves. É olhar para trás e ver foto-  que  um  dia  tivemos.  E  mesmo  que  agora  pareça
                                       grafias onde todos sorriam… e perceber que, agora,   impossível, há dias em que o sol vai voltar a aquecer
                                       nem sabemos bem como sorrir.               sem queimar tanto. Dias em que recordar vai doer

                                       Há algo de especialmente cruel na alegria que nos   menos e fazer sorrir mais. Não porque esquecemos,
                                       rodeia quando estamos tristes: parece gritar ainda   mas porque aprendemos a levar quem amamos no
                                       mais  alto  que  estamos  a  falhar. Que  somos  estra-  coração, de um jeito novo.
                                       nhos,  deslocados,  ingratos.  Mas  a  verdade  é  que   Até  lá,  é  importante  lembrar:  não  estás  sozinho.
                                       não há prazo para a saudade, nem estação do ano   Muitos corações também sentem esta saudade que
                                       que consiga interromper a dor de quem perdeu al-  parece não combinar com o verão. E é nessa parti-
                                       guém que era parte de si.
                                                                                  lha invisível, nesse reconhecimento silencioso, que
               Patrícia Sousa          E é preciso dizer isto, vezes sem conta: não tens de   encontramos força para continuar. O luto não tira
               O AMOR SUPERA TUDO      estar feliz só porque é verão. Não tens de postar fo-  férias. O amor também não.
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               Literacia do luto - Sessões de Informação
               Storyteller de Histórias de Vida de
               Pessoas Especiais que já Morreram
               Guia do Caminho de Santiago
               968 246 011




























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