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CRÓNICA


                                       MORREU! E AGORA?
              M                        orreu. Duas sílabas que mudam tudo. De repente,   Tudo isso é luto. Tudo isso é amor.




                                       o mundo silencia. Os ponteiros do relógio conti-
                                                                                  A dor que agora te aperta o peito é também a medi-
                                       nuam a girar, mas cá dentro… tudo fica em modo
                                                                                  da do amor que sentiste. E se doer muito… é porque
                                       suspenso. A respiração falha. O chão desaparece.
                                                                                  amaste muito. Essa dor é a memória viva da presen-
                                       Dentro de nós instala-se um silêncio ensurdece-
                                                                                  ça de alguém que já não está — mas que, de certa
                                       dor. E vem a pergunta inevitável: E agora?
                                       Agora…  respira.  Pode  parecer  pouco.  Mas  é tudo.
                                                                                  Não precisas de saber o que vem a seguir. Vivemos
                                       Porque  quando  alguém  que  amamos  morre,  o ar
                                                                                  numa cultura que idolatra o “saber o que fazer”. Mas
                                       pesa. E respirar torna-se o primeiro gesto de sobre-  forma, ainda vive em ti.
                                       vivência. O mais simples. O mais esquecido. E o mais   há momentos em que não saber é o caminho mais
                                       necessário.                                honesto. E o luto é um desses momentos. É nesse
                                       Vivemos  num  mundo  que  quer  soluções  rápidas.   espaço confuso, sem respostas, que algo começa.
                                       Que nos empurra para “seguir em frente”. Que nos   Se estás nesse lugar — esse lugar onde o coração
                                       faz sentir culpados por não termos um plano. Mas a   parece bater em cacos —, quero dizer-te isto: Não
                                       verdade? Quando alguém morre, não há guião. Não   estás só. A tua dor é válida. O teu silêncio é com-
                                       há manual. Há um vazio. Há dor. E há um coração a
                                       tentar bater entre os estilhaços.          preendido.  E o teu tempo…  é sagrado.  Respira.
                                                                                  Chora. Grita. Abraça o vazio. Ou apenas senta-te, e
                                       Vivemos rodeados de urgência. De frases feitas: “a   permite-te não ser nada agora. Porque, sim, há um
                                       vida continua”, “tens de ser forte”, “ele gostaria que   antes  e  um  depois.  Mas  entre  um  e  outro,  há  um
                                       estivesses bem”. Mas a verdade? Quando a ausên-  intervalo. E nesse intervalo, o mais importante que
                                       cia  bate à porta, nenhuma  dessas  palavras  serve.
                                       Nenhuma consola. Nenhuma explica. Porque o luto   podes fazer… é continuar a respirar. Devagar. No teu
                                       não quer frases. Quer espaço. Quer tempo. Quer si-  tempo. Com tudo o que sentes. Ou com nada. Por-
                                       lêncio.                                    que o cuidar começa aí. Não na pressa de seguir em
                                                                                  frente, mas  na  coragem  de permanecer  presente.
                                       E tu não precisas de fazer nada. Não precisas de ter   Mesmo quando dói.
                                       respostas.  Não  precisas  de  encontrar  sentido.  Só
                                       precisas de te permitir sentir. Ou não sentir. Permi-  E  agora?  Agora…  continua  a  respirar.  Porque  isso,
                                       tir-te estar  vazio, cheio,  partido, tonto,  sem  chão.   mesmo que pareça pouco, é o começo de tudo.
               Patrícia Sousa
               O AMOR SUPERA TUDO
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               Literacia do luto - Sessões de Informação
               Storyteller de Histórias de Vida de
               Pessoas Especiais que já Morreram
               Guia do Caminho de Santiago
               968 246 011




























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