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CRÓNICA


                                       LUTO NÃO TEM REGISTO


                                       DE PONTO
                       I               magine-se  um  colaborador  que  perde  um  filho.   gulamento interno. Mas a verdade é dura: o luto não




                                       Ou um pai em divórcio que vê os filhos apenas ao
                                                                                  pede  licença.  Ele  infiltra-se  na  concentração,  na
                                       fim-de-semana. Ou alguém que regressa ao es-
                                                                                  memória,  na  motivação,  no  corpo,  na  capacidade
                                       critório no dia seguinte à morte de um animal que
                                                                                  de decisão. Ele entra nas reuniões, nos e-mails, nas
                                       foi família durante 15 anos. Ou ainda a mulher que
                                                                                  metas. Fingir que não existe é um luxo que nenhu-
                                       perdeu o bebé e que ainda ninguém sabia que es-
                                                                                  ma empresa pode dar-se — porque custa caro em
                                       tava grávida.
                                                                                  humanidade.
                                       Agora, imagine-se este mesmo colaborador a regis-
                                       tar o ponto às 9h00, sorrir enquanto diz “bom dia”   saúde mental, em motivação, em segurança e em
                                                                                  Será que queremos mesmo equipas que aprendam
                                       no open space e fingir que nada mudou.     a ser máquinas no meio da dor? E se o luto fosse
                                       Fala-se cada vez mais de saúde mental no trabalho.   tratado como parte natural da vida laboral? E se as
                                       Criam-se programas de bem-estar e felicidade, dias   empresas  criassem  políticas  de  acolhimento  reais
                                       de mindfulness, sessões sobre stress e burnout. Mas   — não apenas dias de licença, mas espaço para es-
                                       ainda existe uma dimensão profundamente huma-  cuta,  flexibilidade,  rituais  de  empatia?  E  se  o  luto
                                       na que continua a ser varrida para debaixo do tapete   fosse reconhecido como experiência que une, que
                                       organizacional: o luto. É isso que as empresas ainda   humaniza e que pode até fortalecer vínculos dentro
                                       esperam: que o luto fique do lado de fora da porta.   das equipas?
                                       Quando a morte — ou qualquer perda significativa   O luto não é uma falha. É a experiência mais dolo-
                                       — entra em cena, as empresas calam-se. Delegam   rosa do ser humano. Ignorá-lo no trabalho não nos
                                       ao colaborador a tarefa impossível de separar vida   torna mais fortes. Torna-nos mais frios. E nenhuma
                                       pessoal de profissional.                   cultura corporativa floresce no gelo. Falar sobre luto

                                       Nas organizações, o luto costuma ser tratado como   no trabalho é quebrar o silêncio sobre uma dor uni-
                                       uma interrupção mínima e desconfortável. Um nú-  versal. É recusar a ilusão de que produtividade e hu-
                                       mero  de dias  de  ausência  —  dois,  três,  cinco,  20.   manidade não podem coexistir. Porque, no fundo,
                                       Como se a dor tivesse prazo de validade. Como se   todos nós, em algum momento, seremos o colega
                                       o sofrimento pudesse caber numa cláusula do re-  enlutado da mesa ao lado.
               Patrícia Sousa
               O AMOR SUPERA TUDO
               Email: info@oamorsuperatudo.pt
               Facebook|Instagram: o.amor.supera.tudo
               Literacia do luto - Sessões de Informação
               Storyteller de Histórias de Vida de
               Pessoas Especiais que já Morreram
               Guia do Caminho de Santiago
               968 246 011




























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