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ENTREVISTA
Já se vê fora da Companhia de Teatro de Braga?
Isso é a mesma coisa que perguntar ao Jorge Je-
sus se ele está a treinar uma equipa e se vê fora da
equipa. Enquanto estiver a treinar, estou a treinar. A
Companhia está bem estruturada. Tem cerca de 20
pessoas e irá sobreviver sem mim com toda a natu-
ralidade…a minha vida, há muitos anos, baliza-se por
isto: primeiro, o teatro; segundo, o meu filho e tercei-
ro a minha vida particular. Ir-me-ei embora quando
achar que o devo fazer…digo-lhe mais…o meu lema
na vida é este: “entramos sem pedir licença e saímos
sem bater com a porta”.
Já li que fora do teatro tem muitas coisas a fazer. O
quê, por exemplo?
Passear com a minha neta Manuela. Outra coisa, se
me permite dizer, é criar um pequeno espaço com
12 lugares numa mesa para cozinhar para os amigos.
Adoro cozinhar. E a minha vida privada, claro.
Onde entra a palavra família no seu dia a dia?
A família entra quando pode. Tenho uma família “dis-
funcional”, convém dizer. No entanto, as nossas rela-
ções são de grande amizade.
A ‘Covid-19’ deixou mais sequelas ao Rui Madeira
ou ao teatro?
Eu acho que a ‘Covid-19’ deixou mais sequelas à
Ministra da Cultura da altura. Sabe porquê? Porque
uma série de ‘gajos’ do setor a que pertenço foram fa-
zer manifestações para a frente da porta da Ministra.
O que deviam era ter ido fazer manifestações para a
frente da porta da Ministra da Segurança Social e do
Ministério do Trabalho. O setor não assumiu as suas
responsabilidades. Os nossos atores estão na segu-
rança social. A realidade não é esta. Em termos de
Companhia, trabalhamos sempre. Fizemos muita
coisa. Até editamos um livrinho que conta o que foi
feito. Tenho uma memória agradável desse tempo.
Limpei, em silêncio, a minha biblioteca, tive tempo
para conversar e escrever. De resto, nunca ficou por
pagar nesses meses, sem recibos verdes. Isto é muito
gratificante.
Deixou-se vencer pela amargura? Pode exemplificar? Quando olha para o Orçamento de Estado e vê ex-
planado 1% para a Cultura, o que lhe ocorre dizer?
Lamento que Braga não tenha conseguido pro- Há hoje eventos de animação cultural em Braga
jetar-se ainda mais para o futuro. Eu digo isto ao que valem zero. Há uma ideia de que todos somos Observo de duas maneiras. Que a discussão política
Presidente da Câmara como digo isto no Conselho artistas. pública do setor é atrasada mental. O que é afinal 1%?
Cultural. Não tenho nenhum problema. A minha Porquê 1 e não 1,5? Ou 0,9? É uma ‘merda’ de uma
opinião é sabida. Foi administrador executivo do Theatro Circo. conversa. O problema não está aí. A solução está em
Saiu em 2013. Porquê? fazer-se um estudo para saber quanto custa ‘a coisa’.
É a ‘alma’ do teatro em Braga? Quanto custa fazer teatro? O Estado sabe e por sa-
Primeiro por uma questão de honestidade política. ber é que não paga. O problema não é a ‘Cultura’. O
Não. Em Braga há mais ‘alminhas’.
Anunciei que me ia embora muito antes das elei- problema são as pessoas. É a política.
A cidade de Braga reconhece o trabalho da ções autárquicas. Trabalho por projetos. São escri- Ainda fuma charutos?
CTB? tos a tempo.
É um assunto que não me preocupa. Braga é polo Algum dia recebeu um convite para liderar a Antes fumava charutos, mas a partir do momento
de um quadrilátero que tem mais de um milhão de Cultura no município de Braga? que o Hugo Pires disse que era a Câmara de Braga
habitantes: Braga, Barcelos, Famalicão e Guima- que me pagava charutos, decidi reduzir drastica-
mente (risos).
rães. Não há políticas públicas verdadeiras para Não recebi e nunca aceitaria. Sabe porquê? Por-
resolver os problemas do nosso setor. Há uma so- que a maioria do pessoal político não está prepara- Qual é o momento do dia em que tem paz?
breposição de custos acrescidos sobre a questão do para uma aposta de rutura nesta matéria. Braga
cultural e a programação. Ainda não se chegou a precisa disto. Braga cresce, mas esse crescimento Quando vou ensaiar. Esqueço tudo.
uma estratégia de complementaridades. Todas as é redutor. Tudo continua concentrado no Theatro Aprecia mais o silêncio ou uma boa discussão?
cidades em Portugal têm praticamente as mesmas Circo. No que respeita à cidade e aos públicos, a
coisas. Não há diferenciações. Não há identidade mobilidade no território pode ser cosmopolita, mas Ambos os momentos. Adoro estar sozinho. Não te-
cultural, matriz identitária. Não existe nada! Existe não aprofunda a democracia cultural. Quem vive nho problemas de solidão. Gosto, também, de uma
negócio. Uma cidade com cerca de 250 mil habi- mal, devia ter mais acesso à cultura. Mas isso não boa discussão.
tantes tem de começar a ponderar o que a diferen- se faz com escolhas, faz-se com ‘escola’. Qual é a pergunta que ainda não lhe fizeram?
cia em vários aspetos como, por exemplo, a criação
artística. Não lhe sei responder.
16 OUTUBRO · 2025 #SIMatuaREVISTA