Page 13 - SIM 311
P. 13

ENTREVISTA


                                    RUI MADEIRA









                           DIRETOR ARTÍSTICO DA COMPANHIA DE TEATRO DE BRAGA





                                                 om 70 anos feitos, aprendeu muito cedo a dizer não.
                                                 Um perfil desassombrado que faz de Rui Madeira um
                                                 dos  mais  conceituados  encenadores  portugueses.
                                  C Nascido no Ribatejo, Romeira é aldeia que não esquece
                                   e onde quer reconstruir uma casa no meio de uma vinha. Privou com
                                   Mário Viegas e com tantos outros que fazem do diretor artístico da
                                   Companhia  de  Teatro  de  Braga  um  nome  que  não  deixa  ninguém
                                   indiferente. Rebelde e mordaz, critica quem tem obrigação de fazer
                                   mais por um país que continua a passo de caracol. No horizonte prevê
                                   “criar um pequeno espaço com 12 lugares numa mesa para cozinhar
                                   para os amigos”. Até lá, alimenta o melhor da vida de mão dada com a
                                   neta Manuela. A entrevista decorreu no ‘Migaitas Salão Champagne
                                   – Villa Garden’, Braga.


                                  TEXTO: Ricardo Moura
                                  FOTOS: Marta Caldeira


               Faça-me o desenho dos seus primeiros anos.  Uma espécie de ‘viagem’?      novo que assisti a teatro na minha aldeia onde
                                                                                         as pessoas não sabiam ler, mas aprendiam oral-
               Nasci numa aldeia a Norte do Tejo chamada Ro-  Sim. Baudelaire dizia que “o verdadeiro viajante
               meira. Um local próximo onde podemos encon-  é  aquele  que  parte  por  partir”.  Eu  parti  muitas   mente os textos.
               trar histórias de Alexandre Herculano, Ruy Belo   vezes. Li muito em cima de oliveiras.  Curiosamente, nunca fez teatro na sua aldeia.
               e Bernardo Santareno. O meu pai era um agri-  À época sentia-se privilegiado?  O que o trava?
               cultor pobre, que não sabia ler. Venho de uma al-
               deia onde, quando entrei na escola primária, ha-  Nada  disso!  Nessa  altura,  sentia-me  era  um   Não me trava nada! Não calhou, simplesmente.
               via 25 alunos e 15 tinham os pais presos políticos.   ‘gajo’  completamente fodido,  porque tinha  de   O apelido Viegas entra no seu caminho e
               Uma zona de combate, de luta política pelas oito   fazer a minha vida de aluno, ajudar os meus pais
               horas de trabalho, onde não se queria trabalhar   nos trabalhos do campo e arranjar tempo para   faz-se luz…
               de Sol a Sol. A minha infância foi entre a escola e   mim.                No Primeiro Ciclo tive a sorte de ter uma pro-
               ajudar os meus pais.                                                      fessora chamada Mariana Viegas. Era, nem mais
                                                    A Romeira ainda vive dentro de si?
               Esse ‘caldo político’ fez de si o que é hoje?                             nem  menos,  que a mãe  do  Mário  Viegas.  Por
                                                    Completamente. Ficaram amigos de infância e   prazer da senhora, fui convidado da casa dela e
               O que posso dizer é que me formei nesse ‘caldo   a necessidade  de  lá  ir frequentemente. Tenho   tornei-me amigo da família e do grupo da livra-
               político’. Costumo dizer que sou filho dos meus   vontade  de  regressar. Estou a reconstruir  uma   ria  Apolo,  que  também  lhe  pertencia.  É  com  a
               pais e da biblioteca itinerante n.º 16 da Fundação   casa  antiga,  no  meio  de uma  vinha  dos  meus   Mariana Viegas, já no Secundário, que começo
               Gulbenkian.  Tinha  como  bibliotecário  um dos   pais.                   a fazer teatro.
               grandes nomes da poesia portuguesa, Herberto   Quando entra a palavra teatro na sua vida?
               Hélder. Entre os 7 e os 16 anos, li tudo o que havia                      Foi paixão à primeira vista ou algo que foi sen-
               para ler. Agradeço à biblioteca e aos bibliotecá-  Entrou naturalmente. Na minha aldeia, como em   do alimentado?
               rios que perceberam que podia ‘ler coisas’. Li os   outras  que estavam por  perto,  havia um movi-
               russos,  os  ingleses,  os  franceses…isso  foi  muito   mento republicano muito forte. As associações,   Isto está ligado  ao  meu prazer  de ler. Acredito
               importante para mim. Foi com isso que me per-  na  sua origem,  são  republicanas.  A estrutura   que  as  pessoas  escolhem  muito  cedo  os  seus
               mitiu  chegar  à  minha  profissão.  Ler  possibilita   social agregadora da minha terra chama-se “So-  próprios  caminhos.  Eu  cedo  percebi  a  minha
               que as pessoas possam ‘inventar-se’.  ciedade de Educação e Recreio”. Desde muito   realidade social, a luta política muito vincada…








               #SIMatuaREVISTA                                 OUTUBRO · 2025                                            13
   8   9   10   11   12   13   14   15   16   17   18