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ENTREVISTA
RUI MADEIRA
DIRETOR ARTÍSTICO DA COMPANHIA DE TEATRO DE BRAGA
om 70 anos feitos, aprendeu muito cedo a dizer não.
Um perfil desassombrado que faz de Rui Madeira um
dos mais conceituados encenadores portugueses.
C Nascido no Ribatejo, Romeira é aldeia que não esquece
e onde quer reconstruir uma casa no meio de uma vinha. Privou com
Mário Viegas e com tantos outros que fazem do diretor artístico da
Companhia de Teatro de Braga um nome que não deixa ninguém
indiferente. Rebelde e mordaz, critica quem tem obrigação de fazer
mais por um país que continua a passo de caracol. No horizonte prevê
“criar um pequeno espaço com 12 lugares numa mesa para cozinhar
para os amigos”. Até lá, alimenta o melhor da vida de mão dada com a
neta Manuela. A entrevista decorreu no ‘Migaitas Salão Champagne
– Villa Garden’, Braga.
TEXTO: Ricardo Moura
FOTOS: Marta Caldeira
Faça-me o desenho dos seus primeiros anos. Uma espécie de ‘viagem’? novo que assisti a teatro na minha aldeia onde
as pessoas não sabiam ler, mas aprendiam oral-
Nasci numa aldeia a Norte do Tejo chamada Ro- Sim. Baudelaire dizia que “o verdadeiro viajante
meira. Um local próximo onde podemos encon- é aquele que parte por partir”. Eu parti muitas mente os textos.
trar histórias de Alexandre Herculano, Ruy Belo vezes. Li muito em cima de oliveiras. Curiosamente, nunca fez teatro na sua aldeia.
e Bernardo Santareno. O meu pai era um agri- À época sentia-se privilegiado? O que o trava?
cultor pobre, que não sabia ler. Venho de uma al-
deia onde, quando entrei na escola primária, ha- Nada disso! Nessa altura, sentia-me era um Não me trava nada! Não calhou, simplesmente.
via 25 alunos e 15 tinham os pais presos políticos. ‘gajo’ completamente fodido, porque tinha de O apelido Viegas entra no seu caminho e
Uma zona de combate, de luta política pelas oito fazer a minha vida de aluno, ajudar os meus pais
horas de trabalho, onde não se queria trabalhar nos trabalhos do campo e arranjar tempo para faz-se luz…
de Sol a Sol. A minha infância foi entre a escola e mim. No Primeiro Ciclo tive a sorte de ter uma pro-
ajudar os meus pais. fessora chamada Mariana Viegas. Era, nem mais
A Romeira ainda vive dentro de si?
Esse ‘caldo político’ fez de si o que é hoje? nem menos, que a mãe do Mário Viegas. Por
Completamente. Ficaram amigos de infância e prazer da senhora, fui convidado da casa dela e
O que posso dizer é que me formei nesse ‘caldo a necessidade de lá ir frequentemente. Tenho tornei-me amigo da família e do grupo da livra-
político’. Costumo dizer que sou filho dos meus vontade de regressar. Estou a reconstruir uma ria Apolo, que também lhe pertencia. É com a
pais e da biblioteca itinerante n.º 16 da Fundação casa antiga, no meio de uma vinha dos meus Mariana Viegas, já no Secundário, que começo
Gulbenkian. Tinha como bibliotecário um dos pais. a fazer teatro.
grandes nomes da poesia portuguesa, Herberto Quando entra a palavra teatro na sua vida?
Hélder. Entre os 7 e os 16 anos, li tudo o que havia Foi paixão à primeira vista ou algo que foi sen-
para ler. Agradeço à biblioteca e aos bibliotecá- Entrou naturalmente. Na minha aldeia, como em do alimentado?
rios que perceberam que podia ‘ler coisas’. Li os outras que estavam por perto, havia um movi-
russos, os ingleses, os franceses…isso foi muito mento republicano muito forte. As associações, Isto está ligado ao meu prazer de ler. Acredito
importante para mim. Foi com isso que me per- na sua origem, são republicanas. A estrutura que as pessoas escolhem muito cedo os seus
mitiu chegar à minha profissão. Ler possibilita social agregadora da minha terra chama-se “So- próprios caminhos. Eu cedo percebi a minha
que as pessoas possam ‘inventar-se’. ciedade de Educação e Recreio”. Desde muito realidade social, a luta política muito vincada…
#SIMatuaREVISTA OUTUBRO · 2025 13