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ENTREVISTA




                                                    Porquê?                              É nesse contexto que ‘faz as malas’ e vai para
                                                    Porque, na altura, o PCP tinha quadros que co-  o Porto?
                                                    nheciam a realidade. Não entrei iludido nem saí   Sim.  Optei,  e  bem,  dizer  não  à  Companhia  de
                                                    desiludido. Não sou anticomunista. Tenho boas   Teatro Nacional 2 e ir para o Porto.
                                                    memórias e amigos no PCP, casos do João Se-
                                                    medo  e  do  Miguel  Portas,  infelizmente  já  de-  Qual foi a sedução que o convenceu?
               Depois do 25 de abril, a             saparecidos.  Eu  saí  do  PCP  quando  disse  que   Olhe…no Porto havia um espetáculo que tinha
                                                    vinha para Braga e o PCP achou que tinha de sa-
               educação democrática nas             ber o que eu vinha fazer. Respondi que vou para   adorado ver, chamado ‘Os emigrantes’, dirigido
               escolas falhou. As novas teorias     a minha profissão e que não tinha de dar satis-  pelo João Lourenço. Vi e disse: é isto que que-
                                                    fações a ninguém. Não me desfiliei. Eles não me
               pedagógicas geraram o que            renovaram o cartão.                  ro fazer. Vim, a convite do Teatro Experimental
                                                                                         do Porto (TEP). Estive dois meses à espera sem
               estamos a viver, isto é, medo de     Continua  na  esquerda,  agora  virado  para  o   nada me dizerem. O diretor do TEP da altura de
               dizerem ‘não’ e se afirmarem.        Partido Socialista (PS)…             nome Cayola, também conhecido por Ensaliola,
               A culpa é de nós todos porque        Eu nunca fui do PS! Fui apenas deputado muni-  explica-me que “se fosses gaja, entravas já”. Por
               não percebemos que a                 cipal independente do Partido Socialista. Fiquei   essa altura, o diretor da companhia ‘Seiva Trupe’,
                                                                                         sabendo  que  estava  no  Porto  e  o  facto  de  me
               formação do cidadão implica          vacinado de partidos políticos. No entanto, que-  conhecer como ator… fiquei na companhia cerca
                                                    ro-lhe dizer que ainda hoje considero que o Par-
               sempre escolhas, posições            tido Comunista Português, para o bem e para o   de dois anos. E foi por aí que começou a germi-
               contraditórias, decisões e           mal, tem pessoas de bem. O problema é que está   nar em mim, a vontade de fazer uma companhia
                                                    completamente desfasado da realidade. O caso
               dinâmicas onde a liberdade           da Ucrânia é um bom exemplo.         como deve de ser. Foi isso que fiz.
               funciona. Houve um período em        Sei que esteve ligado a vários movimentos até   Chegamos a 1980 e nasce a Companhia de
               Portugal onde os professores         chegar ao teatro…                    Teatro de Braga (CTB) com raiz no…Porto.
               deixaram de ser professores e        Sim. Saí de Santarém para estudar engenharia de   Verdade. A CTB foi fundada em 1980, original-
               passaram a ser ‘palhaços’.           máquinas em Lisboa. No entanto, no 25 de abril   mente no Porto, mas com o objetivo estratégico
                                                    fiz parte de vários movimentos. Um deles, foi um   de vir para Braga. A nossa atitude no Porto era
                                                    movimento contra os professores fascistas. De-  ligarmo-nos  à  Universidade,  a  pessoas  da  cul-
               Onde estava no 25 de abril?          pois  fiz  parte  da  estrutura  que  desmantelou  a   tura.  Defendíamos a  arte  do  teatro.  Já  éramos
                                                    Mocidade Portuguesa em Santarém e ainda fiz   muito exigentes, tal como hoje. O Porto era uma
               Estava a preparar-me para ir para a escola téc-  parte daquilo que foi o princípio do FAOJ (Fundo
               nica. Foi um período complicado porque eu era   de Apoio aos Organismos Juvenis). Sempre a fa-  cidade burguesa, com bares onde o pessoal se
               do contra. Aprendi muito cedo a dizer não. De-  vor da democracia. Estava em Lisboa e punha-se   juntava. Vivi bem esse tempo. Havia um alfobre
               pois do 25 de abril, a educação democrática nas   a questão de poder fazer teatro. Sem dizer nada   com pessoas com qualidade.
               escolas  falhou.  As  novas  teorias  pedagógicas   aos meus pais, decidi ir para o teatro. Faço parte
               geraram o que estamos a viver, isto é, medo de   da primeira equipa que fundou o ‘Centro Cultu-  Anos depois, o “objetivo estratégico” é as-
               dizerem ‘não’ e se afirmarem. A culpa é de nós   ral de Évora’ em 1975 (antecessor do CENDREV,   sumido. Braga passa a ser o ninho da CTB. O
               todos porque não percebemos que a formação   com sede no centenário Teatro Garcia de Resen-  que foi fundamental?
               do  cidadão  implica  sempre  escolhas,  posições   de),  pioneiro  no  processo  de  descentralização
               contraditórias,  decisões  e dinâmicas onde  a  li-  cultural criado no país após a revolução demo-  Porque  o Presidente  da  CCDR-N  (Comissão
               berdade funciona. Houve um período em Portu-  crática do 25 de Abril. O diretor Mário Barradas   de  Coordenação  e  Desenvolvimento  Regional
               gal onde os professores deixaram de ser profes-  foi uma  personalidade  que o teatro  português   do  Norte)  na  altura,  Valente  de  Oliveira,  criou
               sores e passaram a ser ‘palhaços’.   muito lhe deve. Tive a sorte de ser amigo dele e   um grupo de trabalho, com pessoas fantásticas,
               Teve professores ou ‘palhaços’?      de ter cuidado de mim.               onde  foi  feito um estudo  sobre  o desenvolvi-
                                                                                         mento das cidades a Norte de  Portugal.  Che-
               No meu tempo (risos)… os professores definiam-se   Em que sentido cuidou de si?  gou-se à conclusão de que Braga era a que tinha
               por pessoas que estavam contra a situação e pes-  Um pedagogo tem sempre razões para escolher   mais  potencial.  Recebemos  esse  documento
               soas que estavam com a situação. E tive professo-  e orientar as pessoas. No meu caso foi muito im-
               res para a vida. Eu levei porrada do diretor do meu   portante pela minha maneira de ser.  ainda estávamos no Porto. Foi aí que decidimos
               liceu, um tipo chamado Chambel, que era um ‘filho                         ir para Braga porque acreditávamos na ideia da
               da puta nazi’ e eu nunca verguei. Isto para dizer   Presumo que se refira à sua rebeldia…  descentralização.  Contudo,  não  esqueço  que
               que a questão da educação num estado demo-  Sinceramente acho que ainda tenho essa faceta   fomos  vilipendiados  pela  crítica  teatral  portu-
               crático é fundamental. Escola quer dizer escolha.   rebelde. É algo que nasce com as pessoas. Gosto   guesa.
               Se as pessoas têm medo, por qualquer motivo, de   de discutir e de intervir na sociedade. Faz parte
               dizer ‘não’, não estão a fazer escolha. Estão parali-  de mim…            O que recorda dos primeiros tempos em
               sados numa coisa que se chama ‘não democracia’.                           Braga?
               É nesta sociedade que hoje vivemos.  Vamos concluir a etapa ‘Évora’ e ligá-la às
                                                    seguintes escolhas que assumiu.      Quando  cheguei  a Braga,  claro  que conver-
               Foi esse inconformismo que o levou ao Partido                             samos  com  a Câmara  Municipal.  Falei aberta-
               Comunista Português (PCP)?           Estou em Évora até final de 1978. Saí, tal como   mente com o Eng.º Mesquita Machado que se
                                                    outras  pessoas,  porque  não  concordei  com  al-
               Foi apenas uma opção minha. Eu andei pratica-                             tornou, inclusive, meu amigo. A verdade é que
               mente com o Fernando Medina ao colo nas reu-  gumas coisas que se estavam a fazer. Nessa altu-  Braga  era  uma  cidade  conservadora,  ligada  ao
                                                    ra, fui convidado para ser ator na Companhia de
               niões que tínhamos, do sector intelectual. Conheci   Teatro Nacional 2, no Teatro São Luiz. Porém, o   anterior regime. A verdade, também, é que nun-
               bem os pais dele. Mas da mesma maneira que en-  ‘movimento Évora’ levou à descentralização, isto   ca tive problemas. Tenho amigos de várias áreas.
               trei, também saí.
                                                    é, começamos a pensar que a criação artística só   Fui muito bem recebido. Nessa altura, Braga ti-
                                                    faria sentido se fosse praticada em todo o país.   nha 45 mil habitantes, hoje tem mais de 200 mil.


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