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Tinha um avô muito especial.
                                                                                Perguntava como estavam as coisas
                                                                                em Braga e tinha enorme orgulho
                                                                                por ter um neto a estudar. Mais tarde,
                                                                                quando entrei para a faculdade e fui
                                                                                convidado para dar aulas na Católica
                                                                                então o meu avô passou a ter um
                                                                                orgulho desmedido.”


                                                                                Que recordações tem do seu tempo de menino?
                                                                                Nasci em Ponte de Lima e aí fiz os primeiros anos da escola, até
                                                                                ao equivalente 6.º ano, o chamado ciclo preparatório. Depois,
                                                                                vim estudar para Braga aos 11 anos. Vivo desde então nesta ci-
                                                                                dade, mas mantenho uma relação afetiva com Ponte de Lima,
                                                                                até porque tenho lá a minha família. O lugar onde se nasce é
                                                                                sempre um espaço de eleição, não se explica. Gosto mesmo
                                                                                muito de Ponte de Lima, onde mantenho colaboração cultural
                                                                                assídua. É uma vila muito bonita, com História e tradição cultu-
                                                                                ral. Tem nomes ligados às letras, como António Feijó, poeta bem
                                                                                apreciado. Os limianos têm orgulho na sua longa e rica história.
                                                                                A vila tem foral (concedido por D. Teresa em 1125) antes da pró-
                                                                                pria independência de Portugal. Com a historiadora Alexandra
                                                                                Esteves (Universidade do Minho), também natural de Ponte de
                                                                                Lima, organizamos agora dois congressos no âmbito do variado
                                                                                programa das comemorações dos 900 anos de Ponte de Lima.
                                                                                Nesse tempo teve contacto com livros?
                                                                                Sempre. Tive sorte. Os meus pais eram pessoas humildes e não
                                                                                particularmente pessoas escolarizadas, apenas com a 4.ª classe.
                                                                                Além da motivação da própria escola, tinha na família (e estas
                                                                                coisas fazem toda a diferença) uma prima mais velha (Aurora)
                                                                                que possuía uma pequena biblioteca de onde podia trazer os li-
                                                                                vros para minha casa. Sou do tempo em que também se recorria
                                                                                às antigas carrinhas da Gulbenkian, que passavam pela aldeia.
                                                                                Tinha um cartão e lá ia entusiasmado buscar meia dúzia de li-
                                                                                vros que lia avidamente. Era um verdadeiro fascínio! Começo a
                                                                                gostar e a ter hábitos regulares de leitura e assim alimentar esse
                                                                                vício tão saudável. Lembro de um outro familiar (Salvador) nos
                                                                                ler, à noite e à lareira, páginas da narrativa de Júlio Verne sobre
                                                                                Miguel Strogoff. Era uma leitura muita viva e dramatizada, ainda
                                                                                sem televisão. Ele a contar histórias e pormenores engraçados.
                                                                                Pelo meio exagerava na dramatização dos soldados de Napo-
                                                                                leão quando chegam a Moscovo e morrem de frio. Nunca mais
                                                                                esqueci essa descrição. Era um homem simples, que não tinha
                                                                                grande escolaridade, mas era viajado e apaixonado pela leitura,
                                                                                e isso deixou marcas.
                                                                                Esse contexto privilegiado encaminhou-o para ser um ‘um
                                                                                homem das letras’?
                                                                                Reconheço que sim. Depois de fazer o ensino secundário, aca-
                                                                                bei por frequentar a licenciatura na Universidade Católica na
                                                                                área de Letras – em “Humanidades”. Sentia-me como ‘peixe na
                                                                                água’. A formação ia ao encontro do que gostava: literatura e
                                                                                língua. Sentia-me mesmo bem e não imaginava outra hipótese
                                                                                de formação.
                                                                                No meio do seio familiar sei que ainda mora em si uma figura
                                                                                muito especial…
                                                                                Verdade. Tinha um avô muito especial (Francisco Oliveira), ho-
                                                                                mem reto, carinhoso e humanamente muito atento. Perguntava
                                                                                sempre como corriam as coisas em Braga e tinha enorme orgu-
                                                                                lho em saber do progresso do neto. Mais tarde, quando entrei
                                                                                para a faculdade e fui convidado para dar aulas na Católica, o
                                                                                meu avô passou a ter um orgulho desmedido. Pouco antes de
                                                                                falecer, quase com 100 anos, esteve presente no meu doutora-
                                                                                mento, numa memória terna e inesquecível.
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