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JUSTIÇA






                                        Estou a passar por uma separação complicada e tenho duas
                                        filhas pequenas. O pai delas foi violento comigo ao longo da
                                         relação e apresentei uma queixa por violência doméstica,
                                        cujo processo está em curso. Mesmo assim, ele está a insistir
                                          num regime provisório de residência alternada, antes de
                                          haver qualquer decisão definitiva sobre a regulação das
                                       responsabilidades parentais. Diz que tem o direito de estar com
                                       elas em igualdade, e acusa-me de alienação parental. Eu não
                                        o impeço de ver as meninas, mas tenho medo, sobretudo pela
                                        mais nova, que tem apenas um ano. Sinto-me pressionada e
                                        sem apoio. Como posso proteger as minhas filhas nesta fase,
                                           sem parecer que estou a impedir a relação com o pai?




                                       ALIENAÇÃO OU PROTEÇÃO?
               C                       ara leitora,                               verter o foco. A verdade é que estabelecer limi-




                                                                                  tes, proteger rotinas e dizer “não”, não é alienar:
                                       Quando se atravessa um processo de separa-
                                                                                  é cuidar. Numa situação como a sua, o que está
                                       ção, é comum que se procure manter a ligação
                                                                                  verdadeiramente em causa não é impedir o pai
                                       de ambos os progenitores com os filhos. A ideia
                                                                                  de ver as filhas, mas sim garantir que os contactos
                                       de equilíbrio e partilha é, em teoria, positiva. Mas
                                                                                  se fazem com segurança, sem imposições e sem
                                       quando há sinais de violência, tensão emocional
                                       ou comportamentos manipuladores, essa parti-
                                       lha não deve ser feita de forma automática, muito
                                                                                  Cuidar de uma criança é também respeitar o lu-
                                       menos imposta num regime provisório, sem tem-
                                                                                  gar que ela ocupa no seu sistema familiar e prote-
                                       po para avaliar riscos ou ponderar o superior inte-  desregular a vida das crianças.
                                                                                  gê-la de ocupar lugares que não lhe pertencem.
                                       resse das crianças.                        Quando os adultos estão em conflito, é comum
                                       A residência alternada, especialmente em fases   que os filhos fiquem, sem querer, no meio de
                                       precoces  do processo,  pressupõe  cooperação,   lealdades partidas, de silêncios forçados ou de
                                       comunicação estável e confiança mútua. É um   papéis  que não são seus.  Cabe-nos, enquanto
                                       modelo exigente, que só faz sentido quando os   sociedade e enquanto sistema judicial, impedir
                                       dois adultos conseguem funcionar como uma   que isso aconteça.
                                       equipa,  ainda  que  separados.  Ora,  num  contex-  Os tribunais têm a obrigação de proteger a vítima
                                       to marcado por violência doméstica (mesmo que   e os menores em todas as fases do processo. Não
                                       ainda sob investigação), isso simplesmente não   apenas no final, quando se chega a uma decisão
                                       existe. A residência alternada não pode servir   definitiva, mas logo de início, quando eventual-
                                       como disfarce para controlo ou para manter pro-  mente se decidem medidas provisórias, que não
                                       ximidade forçada.                          devem ser técnicas nem automáticas, mas sim
                                       A sua preocupação é legítima. Com filhas peque-  conscientes do impacto que têm no equilíbrio da
                                       nas – uma delas ainda bebé –, a prioridade deve   família. E, acima de tudo, devem garantir que as
                                       ser a estabilidade, a previsibilidade e a seguran-  crianças não carreguem o peso de decisões que
                                       ça emocional. Alterar casas a cada poucos dias,   cabem aos adultos resolver.
                                       desregular rotinas ou impor decisões rápidas em   Dar tempo à verdade, proteger o espaço da infân-
                                       nome da igualdade parental, pode ser profunda-  cia e reconhecer que o amor só é seguro quan-
                                       mente desestabilizador. E mais grave: pode colo-  do nasce do respeito é o verdadeiro trabalho de
                                       car em risco a integridade emocional e até física
               Dra. Filipa Menezes     das crianças, quando há antecedentes de com-  quem cuida. Mais do que repartir dias, importa
               ADVOGADA                portamento agressivo.                      reconhecer o lugar de cada um dentro do próprio
                                                                                  sistema familiar. E o lugar da criança nunca deve
                                       Acusar de alienação parental é, infelizmente,   ser no centro do conflito, mas sempre – sempre –
                                       uma estratégia cada vez mais utilizada para in-  no centro do afeto.






               #SIMatuaREVISTA                                  AGOSTO · 2025                                             71
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