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REPORTAGEM



                GRAMOFONE MONO                      no sofá, com caixa de ritmos. Tudo isto era a   a bateria. O objetivo era dar músculo ao palco
                                                    nossa base rítmica. Eu contava histórias na se-  e preencher o vazio. Joaquim Pinto fica tam-
                Anos depois viaja para Braga, terra que o irá   quência das narrativas que vinham dos ‘PVT   bém a cargo do teclado. A história continua
               marcar para sempre. Por várias razões. Uma   Industrial’, lembra Canibal.  com  um concerto ao  vivo  (novembro  1985)
               delas a impressão digital que nunca mais lhe
               saiu do corpo. É na capital do Minho que co-  A estreia ao vivo deu-se em janeiro do ano   realizado  na  Fábrica,  em  Sequeira  (Braga).
               meça  a  ouvir  música  pop-rock.  “Através  de   seguinte no  ‘Orfeão  da  Foz’. Um início  pro-  Histórico porque foi o primeiro na ‘Cidade dos
               um casal amigo do meu pai, comecei a des-  metedor, com boa crítica, mas que não con-  Arcebispos’, com muita gente a assistir, “malta
               cobrir  o  que  vinha  de  Inglaterra.  Comprava   venceu  os  elementos  da  banda: “sentimos   fora do circuito das famílias, uma espécie de
               singles em Braga com base nas tabelas que   que a coisa não estava ok. E porquê? Porque   ‘ovelhas negras’ (risos)”.
               apareciam  nos  jornais.  Depois  ouvíamos  em   o Joaquim Pinto, que mal sabia tocar baixo,   Luxúria  Canibal  evoca:  “a partir  de  1981,  a
               casa no velho gramofone mono”. Mais tarde,   ficava envergonhado e virava as costas para o   movida  de  Braga  ‘bebe’  a  consequência  do
               com  o  25  de  Abril,  “começo  a  ficar  ligado  a   público; o Miguel Pedro, ainda sem dominar   que sucede em Lisboa,  com  muito punk  à
               grupos  portugueses  de  extrema-esquerda,   a guitarra, também envergonhado, punha-se   mistura. Nessa altura não havia uma indústria
               trotskistas  e anarquistas.  O que  se escutava   de costas no outro canto do palco. Não havia   organizada.  Tudo  era  possível  porque  nin-
               mais era jazz e free-jazz. Só depois é que vou   bateria que ocupasse o espaço central…fica-  guém  sabia  qual  era  a  receita  comercial.  O
               para o pop-rock”.                    va eu, feito ‘tolinho’ aos saltos com um palco   facto de sermos de Braga foi um ‘handicap’,
                CALDEIRÃO MUSICAL                   inteiro  para  mim”. A falta  de  força  e atitude   porque Portugal é um país muito centraliza-
                                                    fizeram com que a viagem a Berlim fosse can-  do.  A  nossa  sorte  foi,  nessa  altura,  dois  ele-
                O líder  dos  ‘Mão Morta’ regressa a  Lisboa   celada…até hoje.          mentos da banda viverem em Lisboa. Até ser
               em 1978 para estudar. A noite da capital ferve                            do Porto era ‘handicap’. As bandas lançadas
               como nunca. É nessa era que apanha “o eclo-  PRIMEIRA VEZ EM BRAGA        pela Imprensa eram de Lisboa, uma ou outra
               dir do punk lisboeta” onde despontam nomes   O próximo passo foi contratar um guitarrista   do Porto. O Rui Veloso teve, por exemplo, de
               como Xutos & Pontapés, Minas & Armadilhas   (Zé dos Eclipses) e passar Miguel Pedro para   se deslocar para Lisboa.”
               e Corpo Diplomático. Uma onda descomple-
               xada  que  convence,  embora  sem  rigor  mu-
               sical: “gostei muito do ambiente. As músicas
               eram originais, não havia versões e era tudo
               mal tocado (risos). O importante era a atitude,
               o estar, o fazer. Era mais um ato performati-
               vo do que um ato musical. Foi a partir dessa
               experiência,  enquanto espetador, que  trago
               para Braga a ideia de criar um grupo”.
                Atualmente com  65 anos,  Adolfo  Luxúria
               Canibal puxa o tempo para trás onde invoca
               os ‘Bang-Bang’,  banda  que nunca  atuou  ao
               vivo. Seguiu-se os ‘Auaufeiomau’ com estreia
               na passagem de ano de 1981 para 1982. Nes-
               te  trajeto,  destaque  para  os  ‘PVT  Industrial’,
               um grupo de berbequins e ritmos de teares
               que serviu de base para a formação dos ‘Mão
               Morta’.










               Antes do 25 de Abril era
               impossível existirmos. Não
               havia liberdade nem dinheiro
               para comprar os instrumentais
               que eram caríssimos. Não havia
               sítio para tocar. Era tudo muito
               controlado e censurado.

                Formados  em  novembro  de  1984, os  ‘Mão
               Morta’ – o nome nasce numa aula do curso de
               Direito, na disciplina ‘Direito das Obrigações’
               – rubricam  os  primeiros  ensaios  “com  base
               em gravações com teares da fábrica do Joa-
               quim Pinto. Gravações de maquetes a bater

               #SIMatuaREVISTA                                   ABRIL · 2025                                            47
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