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JUSTIÇA
O namorado da minha amiga começou a impedi-la de conviver
com o nosso grupo de amigos. Uma vez, ouvi-o dizer-lhe que
se ela fosse connosco ao jantar de curso, ele morria. Apesar
de já a ter alertado para o facto de esse comportamento dele
não ser normal, ela continua a defendê-lo, dizendo que ele já
passou por muito, ao ser abandonado pela mãe, e que precisa
de o ajudar. Esta minha amiga é das pessoas mais inteligentes
que conheço e não consigo compreender como é que não
vê o quanto esta relação lhe faz mal. Como é que a posso
aconselhar e orientar?
QUANTO MAIS ME RESPEITO,
MAIS EU GOSTO DE MIM
C ara leitora, ro, facilitando recursos legais que visam garantir a se-
gurança e o apoio necessário.
Num mês em que se celebra o amor, mostra-se sempre
Para isso, cumpre esclarecer que este tipo de violên-
relevante recordarmos que nem todo o vínculo amo-
roso é livre. Estamos, muitas vezes, perante um amor
cia pode assumir várias formas para além da violência
cego, leal à dor. Um amor que prende e sufoca e do qual
física. Na situação partilhada, onde se verifica uma ma-
muitas pessoas não parecem querer cortar as amarras e
nipulação emocional, vemos um exemplo claro de vio-
dar um grito de liberdade.
sexual, através, por exemplo, de atos sexuais forçados,
Para quem vê a relação aparentemente violenta do
económica, onde o agressor tem pleno controlo finan-
lado de fora, pode ser difícil encontrar um sentido para
ceiro sobre a vítima, cyberbullying e até a mera ameaça
todas as atitudes que se vão tomando, tanto por parte lência psicológica. Pode ainda haver lugar a violência
de violência.
do agressor como da vítima. Julga-se facilmente quem
agride e quem opta por permanecer. No entanto, nem Em Portugal, a violência no namoro é sobretudo tratada
sempre as razões são claras. Frequentemente, há cau- no contexto de violência doméstica, não sendo neces-
sas ocultas que, apesar de não ilibarem as ações do sário existir coabitação. Estando a violência doméstica
agressor, podem ajudar a perceber a sua conduta. tipificada como crime público, a formalização da queixa
não depende da vítima de violência no namoro, na me-
A ausência da mãe, por abandono, possibilita a cria-
ção de um trauma que fica escondido nas emoções de dida em que esta pode ser apresentada por qualquer
quem o vive, sendo facilmente reproduzido ao longo de pessoa. Além disso, com a apresentação da queixa-cri-
relações de diversa índole. No caso exposto, o namora- me, a vítima pode lançar mão de uma série de medidas
do violento parece rever na relação amorosa o deses- de proteção, nomeadamente ordens de proteção que
pero causado pelo abandono por parte da mãe, ape- permitam o afastamento do agressor do local de con-
gando-se de forma exacerbada à namorada e tendo por vivência da vítima ou medidas cautelares, como a proi-
ela um sentimento de posse muito intenso. Porém, ape- bição de contactos com a vítima. A todo o momento,
sar da importância de dar luz a essa consciência, é im- pode também contar com o apoio de instituições como
portante referir que a conduta de quem agride e causa a APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima) ou
dor deve ser responsabilizada, sendo fundamental que a CPCJ (Comissão de Proteção de Crianças e Jovens).
a vítima compreenda que, por mais necessidade que A violência no namoro não deve ser desvalorizada. O
sinta de ajudar a outra pessoa, esses comportamentos sistema jurídico português demonstra isso pela sua
do agressor correspondem a formas de violência. evolução, havendo cada vez mais necessidade de for-
Dra. Filipa Menezes Ainda que muito frequente, a violência no namoro con- necer aos cidadãos um conjunto de recursos legais
ADVOGADA tinua a ser um tipo de abuso muitas vezes subestimado. e sociais para apoiar as vítimas. O amor livre parte do
Em diversas situações, as vítimas desvalorizam sinais ou respeito e do amor que cada pessoa nutre, acima de
tudo, por si mesma. Reconhecer o abuso, procurar
utilizam a compaixão pelo agressor e pelas suas vivên- apoio e denunciar o agressor são passos fundamentais
cias para desculpabilizar a prática de um crime. Nou- para garantir a segurança e o bem-estar pleno de todos
tras situações, não sabem simplesmente como agir. aqueles que, um dia, se viram presos e sufocados numa
Importa, por isso, referir que a legislação portuguesa relação doente.
reconhece e protege as vítimas de violência no namo-
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