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REPORTAGEM
Poema vencedor do Prémio da Ari(t)mar que somos, homens e mulheres, temos de entender de vez que ninguém é su-
perior a ninguém e que os direitos são, de facto, iguais para todos. O problema
Há mulheres que trazem os livros nos olhos é que, como isso ainda não se verifica na realidade, é preciso que as mulheres
passam rímel de palavras pelas pestanas continuem a lutar pelos seus direitos – algo que verificamos até na Assembleia
da República, onde teve que se pensar uma lei para que pudesse existir uma
outras trazem o mar no ventre maior representatividade das mulheres… Infelizmente ainda existe muito pre-
quando salgam os poemas. conceito em relação às mulheres e é a elas, a todas as mulheres, e à reivindica-
Umas velam a lua sobre o peito ção e afirmação dos seus papeis na sociedade, a quem dedico o meu poema”.
enquanto um rio percorre o seu fluxo O poema galardoado de Sílvia Mota Lopes alude, também, à canção popu-
e nas torrentes do inverno lar ‘Sebastião come tudo… e no fim dá pancada na mulher’ para demonstrar
acendem nas mãos o seu lume. como esse género de preconceitos, que incentiva à agressividade e â violência
do homem sobre a mulher, foi veiculado de tal forma que ainda tem reflexos na
Outras encostam os olhos às paredes da casa sociedade. “É necessário continuar a lutar muito pela mudança de mentalida-
atravessam o silêncio des e ultrapassar este paradigma, daí que seja crucial que os artistas, nas suas
contornam o cansaço mais variadas facetas e modalidades artísticas, continuem a chamar a atenção
quando desafiam as suas histórias. para as questões da mulher e para as várias formas de violência, física ou ver-
bal, de que continuam a ser alvo predileto. Não nos podemos esquecer que
Uma Penélope, uma Beatriz só no ano passado morreram 17 mulheres e duas meninas, por homicídio em
a Ilha dos Amores que não existe contexto de violência doméstica. Até agosto deste ano já morreram outras 11
um Sebastião que come tudo mulheres, vítimas do mesmo contexto. E isto, nós não podemos permitir que se
repita. Temos todos de agir para que a sociedade evolua, de fato”.
e outro que não regressa.
Há mulheres que de tanto esperarem “Não se pode banalizar a violência”
jamais vivem. “Não se pode banalizar a violência e, com isso, normalizá-la. Hoje ainda se
verifica muita violência doméstica em todas as famílias e em todas as classes
sociais. Isso não é admissível. Mais do que isso: verifica-se, cada vez mais, uma
Os versos de Sílvia Mota Lopes ressoaram fundo e longe e continuam a rever- grande crise de valores nos nossos jovens, algo que tem de voltar a ser traba-
berar como um sussurro ao ouvido de quem soube escutar o que só na poe- lhado de forma central tanto em casa, por via da educação dos pais, como na
sia se revela: a palavra que se faz verbo. Trata-se de um grito. Um grito de uma escola, por via da ação pedagógica dos professores. Os pais, sobretudo, não
mulher sensível e atenta, como todo o artista é, ao seu tempo e ao seu mundo, podem imiscuir-se do seu importante papel de educadores apenas porque se
que urge olhar criticamente para que a mudança se torne uma possibilidade. sentem cansados do trabalho e da vida stressante dos dias de hoje e fazer as
vontades todas aos filhos, dando-lhes e permitindo-lhes tudo. Entendo que
“As mulheres, em geral, continuam à espera, tal e qual a Penélope que esperou estamos todos cansados, vivemos no limiar do stress, mas é crucial não desis-
uma vida inteira e sempre a tecer pelo regresso de Ulisses, seu marido – uma tirmos dos nossos papeis de pais no sentido de educarmos as nossas crianças
história de mostra como as mulheres, de tanto esperarem, não vivem”, adverte e jovens com base em valores essenciais como a igualdade, a justiça, o espírito
a poetisa. “A mulher deve viver a sua vida com a mesma liberdade e ter as mes- de comunidade, o amor ao próximo, com vista a que, um dia, sejam cidadãos
mas oportunidades que o homem. O respeito deve ser mútuo. Todos somos críticos, mas, sobretudo, justos”.
seres humanos e todos temos uma biologia diferente, mas, como humanos
Continua
50 NOVEMBRO · 2024 #SIMatuaREVISTA