Page 52 - SIM 300
P. 52

REPORTAGEM


               POEMA PREMIADO INQUIETA                                 da artista bracarense.
               ARTISTA PARA NOVO PROJETO                               “O projeto que ainda está em curso em que une pintura e literatura tem como pro-
                                                                       pósito fazer uma homenagem a grandes escritoras que através da literatura deram
               Foi depois da obra ‘Túnica Íntima’, onde se inscreve o poema vencedor do concur-  voz à mulher, traçando caminho no sentido de mudar o rumo da sua história, não
               so poético promovido pela Ari(t)mar (edição 2024), que começou a desenhar-se   deixando as mulheres à sombra dos homens, do poder patriarcal como se verificou
               outra inquietude no peito sensível de Sílvia Mota Lopes. Uma espécie de sobres-  ao longo dos séculos”, explica a artista à Revista SIM. 
               salto que invade o mundo interior de tal forma que é impossível escapar-se-lhe. É   Recordando uma entrevista recente de Maria Teresa Horta – precisamente uma
               algo que ressoa na mente do artista como se fosse um eco que se repete e repete   das escritoras que Sílvia Mota Lopes se propôs interpretar – lembrou as suas pala-
               e repete…                                               vras, sublinhando que em 2024 “homens e mulheres estão muito longe de ter os
               A ideia para esse novo projeto alicerçou-se quando a poetisa e pintora assistiu, no   mesmos direitos”.
               ano passado, à apresentação do livro ‘Biografias no feminino. Mulheres escritoras.   “De fato, muito mudou, com o 25 de abril, foi fabuloso, mas ainda há muito para
               Retratos com sombras. Dispersos e inéditos’, da autoria de Isabel Mateus e Cândi-  fazer. Ainda há muita violência contra as mulheres, muito desrespeito e desigual-
               do Oliveira Martins, professores de Literatura da Universidade do Minho e da Uni-  dades. Se não fossem mulheres como a Maria Teresa Horta, Natália Correia, Ana
               versidade Católica Portuguesa – Centro Regional de Braga – um projeto apoiado   Luísa do Amaral, Marta Cristina de Araújo, Maria Ondina Braga e muitas outras,
               pelo Município de Braga – a propósito da obra da escritora bracarense Maria Ondi-  provavelmente a mulher estaria ainda muito aquém desta nova realidade”.
               na Braga. “A partir desse momento, foi como se tudo começasse a fazer sentido e
               eu senti, no mais íntimo do meu ser, este grito de mulheres que clamam, nada mais,   Trabalho de pintura do feminino já deu origem a novo livro poético
               do que simplesmente liberdade”.                         ‘Orgânico’ a apresentar no Festival Literário Utopia
               “Este projeto foi inspirado na obra ‘Biografias no feminino’ e o facto é que algo   O trabalho de pintura de escritoras portuguesas que a pintora e escritora Sílvia
               ressoou em mim e eu comecei a desejar pintar para fazer uma homenagem às   Mota Lopes se encontra a desenvolver acaba de dar azo a uma nova obra poética
               mulheres que foram, realmente, mulheres fora do seu tempo, mulheres incríveis   que intitulou de ‘Orgânico’.
               que lutaram por uma nova condição da mulher, pois, não nos podemos esquecer   Os poemas surgiram quase em catadupa e a poetisa conta que nunca escreveu
               do passado secular, em que as mulheres foram sempre remetidas para um plano   tão intensa e velozmente. O livro será apresentado no próximo dia 21 de novem-
               secundário na História, mas esta é uma situação que ainda se verifica, daí que eu,   bro, às 21 horas, na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, no âmbito da programação
               neste novo projeto artístico que foi crescendo em mim, dê atenção, sobretudo, às   do Festival Literário Utopia, contando com a apresentação de Cândido Oliveira
               mulheres escritoras que reivindicaram, no seu tempo social, por um verdadeiro   Martins, professor de Literatura da Universidade Católica Portuguesa – Centro
               status feminino”, refere a artista bracarense.          Regional de Braga.
               Considerando que os tempos, hoje, são outros e apesar de alguma evolução, para   “Estive simultaneamente a pintar e a escrever. A inspiração foi-me chegando, a
               Sílvia Mota Lopes continua a ser “importantíssimo” continuar-se a dar “pedradas   pouco e pouco, mas houve dias em que estava tão imersa neste imaginário poéti-
               no charco” no sentido de manter este tema um constante “alerta social”.   co que cheguei a escrever vários poemas num mesmo dia. Aconteceu tudo muito
               “Se existiu alguma evolução nas últimas décadas, ela deveu-se muito à luta de   rápido, senti grande inspiração, sobretudo quando, já em férias, fiquei a sós com a
               muitas destas mulheres que foram grandes ativistas e que estiveram sempre im-  literatura e com as escritoras que estou a pintar”, confessou.
               plicadas na vida social, política e literária, mas penso que ainda há muito caminho a   O título da obra - ‘Orgânico – “é curioso”, contou, indicando que lhe veio à cabe-
               percorrer para que as mulheres sejam verdadeiramente livres”, adverte, justifican-  ça como se lhe tivesse sido sussurrado ao ouvido. “Orgânico significa algo que é
               do a homenagem que lhes está a realizar com este seu novo projeto artístico.
                                                                       essencial, algo que é imprescindível e, para mim, é essencial que se continue a dar
               São estas mulheres, em especial, que tanto batalharam pelo lugar da mulher na   voz ao feminino”.
               sociedade e pelo seu papel de protagonista da sua própria história e não enquanto    “Eu idealizo também o livro, as cores, as páginas, as ilustrações, e, este livro, eu não
               uma mera sombra do homem, que a artista bracarense, Sílvia Mota Lopes, preten-  queria que fosse ilustrado por mim, então decidi dar, também, a oportunidade a
               de ver homenageadas. “Estas mulheres merecem ser relembradas e cabe-nos a   três jovens artistas, entre as quais a minha filha, que estão a começar a carreira, no
               nós, que lhes seguimos, mantê-las vivas, lendo-as e relendo-as. No meu caso, este   sentido de elas terem também um espaço para mostrar o seu trabalho e criativi-
               projeto cumpre a função de continuar a perpetuar as suas vozes, através do cruza-  dade”.
               mento da pintura que crio com a literatura que elas escreveram”, explica.
                                                                       Artista precisa de apoio institucional e financeiro para que projeto ‘ganhe
                                                                       asas’ e se torne itinerante
                                                                       Ideia atrás de ideia artística, a pintora e escritora Sílvia Mota Lopes tem em mente
                                                                       um projeto maior: a itinerância da exposição das telas por vários pontos da região
                                                                       e, quiçá, do país.
                                                                       O objetivo é pintar 15 telas, mas para que este projeto possa viajar, em itinerância, a
                                                                       artista precisa de apoios institucionais e financeiros. Em concreto, a pintora e poe-
                                                                       tisa Sílvia Mota Lopes visa a edição de um catálogo, ou um género similar, com as
                                                                       pinturas das mulheres escritoras que retratou, segundo a sua visão e sensibilidade
                                                                       artísticas, juntamente com textos da autoria de outras 15 mulheres escritoras ou de
                                                                       mulheres que se dedicam à arte da escrita, que serão convidadas especialmente
                                                                       para o efeito.
                                                                       “Julgo que é a melhor forma de realizar uma justa homenagem às mulheres em ge-
                                                                       ral e às que me encontro a pintar, de forma particular, por se tratarem de mulheres
                                                                       ativistas, que estiveram sempre implicadas na vida social, política e literária, algu-
                                                                       mas das quais até já faleceram, mas cujo espírito de luta continua bem vivo, mesmo
                                                                       nos nossos dias, em pleno século XXI, pelo que, considero que a reivindicação da
                                                                       mulher, nos seus mais diversos papéis sociais e nas mais variadas áreas de atuação,
                                                                       é um tema que deve estar sempre presente”, assinala Sílvia Mota Lopes.
               Novo projeto artístico entrelaça literatura e poesia  e faz homenagem a 15   “Espero poder vir a realizar este projeto, com uma exposição itinerante que possa
               mulheres escritoras                                     percorrer vários espaços e locais culturais, pois entendo como realmente crucial
               A escritora Marta Cristina de Araújo foi a primeira a ser pintada pelas mãos de Sílvia.   continuar a alertar a sociedade para a questão da mulher, do empoderamento no
               Seguiu-se Maria Ondina Braga, Ana Luísa Amaral, Maria Teresa Horta e, ao todo,   feminino e para a importância dos vários papéis que desenvolve ou pode desen-
               desde janeiro até ao presente momento, já são dez as telas retratadas pelo olhar   volver na sociedade, sem ser alvo de qualquer tipo de preconceito ou de prejuízo
                                                                       só porque é, simplesmente, uma mulher”.
               52                                              NOVEMBRO · 2024                               #SIMatuaREVISTA
   47   48   49   50   51   52   53   54   55   56   57