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REPORTAGEM
























                                   “Todos os dias

                                   vejo poesia.
                                   Até o vento e

                                   a chuva me

                                   trazem poesia”


















               Com o mar de Moçambique, onde nasceu, no coração e a Grécia Antiga   tantas vezes perdidas entre tristezas e nostalgias”.
               como mãe da civilização do mundo ocidental, Ana Paula Pinto tem já vá-  Concebendo a literatura como uma “arte mágica”, a docente de Lite-
               rias outras ‘estórias’ na forja. Uma delas, já tem título: ‘A Baía dos Ventos’.   ratura Grega da Universidade Católica de Braga socorre-se do poema
               “É uma metáfora para o espaço de Viana do Castelo e para a Praia do Ca-  ‘Autopsicografia’ de Fernando Pessoa: “O poeta é um fingidor/Finge tão
               bedelo, onde o meu pai tinha o estaleiro. Trata-se de um espaço real, que   completamente/Que chega a fingir que é dor/A dor que deveras sente”.
               faz uma espécie de baía, uma praia dominada pelo silêncio, onde o vento   “Na minha opinião toda a manifestação literária tem um certo carácter au-
               levanta a areia e arranha as águas e mexe connosco porque invade a nossa   tobiográfico, pois o autor, mesmo na ficção, revela traços autobiográficos
               área mais interior, que é o nosso coração, onde as vozes se levantam para   que se confundem com o próprio, mesmo quando finge ser uma outra
               lidar com os outros”, revela.
                                                                      personagem. Para mim, a literatura é um espaço criativo para se falar da-
               Caracterizando-se como uma “pessoa tímida”, a autora de ‘Ilhas’ indica   quilo que realmente nos toca, nos magoa e nos encanta”.
               que a escrita “é uma necessidade interna”, ajudando-a a organizar e expri-
               mir-se melhor. Por outro lado, olha para as Letras e para a Literatura como   As narrativas épicas e trágicas da Antiguidade Grega têm sido retoma-
               um meio privilegiado de “preservar a memória”, dentro da “triste falibilida-  das no mundo literário, através de autores como a britânica Pat Barker
               de de sobreviver à convenção”. No fundo, “é um escudo”, que deixa “um   em obras como ‘O Silêncio das Mulheres’ (2018) ou a portuguesa Hélia
               testemunho do Belo e do que mais profundamente nos toca”.   Correia em obras como ‘A Casa Eterna’ (2005). “Não podemos esquecer
                                                                      que a Grécia Antiga é o nosso pórtico para as noções de ‘Belo’ e de ‘Bom’”,
               “Todos os dias vejo poesia. Até o vento e a chuva me trazem poesia”, ga-  aponta. “Eça de Queirós, provavelmente o homem que mais amei e que
               rante. E é por isso mesmo que escreve. Escreve como registo do que mais   nunca o soube, bem como Homero, poeta épico da Grécia Antiga, conti-
               interiormente sente, mas também para fazer jus às suas próprias memó-  nuam vivos dentro de nós. Estão cá bem presentes e esse sentimento ou
               rias e a tudo o que elas lhe convocam enquanto cidadã, enquanto profes-  impulso vai muito para além do corpo físico, pois são o nosso elo de ligação
               sora, enquanto mulher e mãe.                           à experiência do ‘Belo’”.
               “Recordo as palavras que um dia disse ao meu antigo professor na Fac-  Considera a Guerra de Tróia como o grande tema da Humanidade: “após
               Fil, Mário Garcia: de que somos todos seres intransitivos – uma espécie de   os deuses terem criado o Homem para seu próprio divertimento e os ho-
               ilhas, fechados sobre si mesmos. “A ilha é uma representação da nossa in-  mens viram-se então obrigados a combater pelo espaço, lutando entre si.
               dividualidade fechada e intransitiva, que serve para mostrar que tal como   É um tema que está na ordem do dia, olhando para as guerras a que con-
               as ilhas, somos um mar de naufrágios nas relações com os outros. Ilhas,   tinuamos a assistir nos dias de hoje”.


               #SIMatuaREVISTA                                  OUTUBRO · 2024                                           23
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