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REPORTAGEM































                         “A minha vida

                         está aqui”








                “E nem por ser meu ex-aluno me leva mais barato”, graceja, prosse-  O proprietário acusa alguns empresários ‘de ocasião’ de serem de-
               guindo: “Eu tentava organizar o meu horário na escola, de manhã,   sonestos. “Por vezes, há empresários que abrem espaços comerciais
               para poder estar na loja durante a tarde. Começava às 8h da manhã   e não são sérios, porque praticam preços demasiado baixos, que não
               e só chegava a casa à noite. Agora que estou reformado, só fico de   dão para pagar as despesas; depois baixam ainda mais para tentar
               manhã”. E não faz mais por indicação (ondem?) médica e imposição   recuperar algum dinheiro investido e, nesse espaço temporal, está a
               familiar, porque uma queda que sofreu há alguns anos o deixou de-  fazer concorrência desleal. Nós sabemos o que custam as coisas, isto
               bilitado e com menos mobilidade.                       não pode ser uma competição assim”.
               Atualmente, Carlos Sarmento Pereira continua a fazer o trabalho de   Já lhe tentaram comprar várias vezes o espaço localizado em ple-
               gestão – pagamentos, faturas, encomendas… - com a ajuda das fi-  na Avenida Central, para várias finalidades, mas não abdica da sua
               lhas e de três colaboradoras da loja. Não preferia estar descansado   “casa” onde praticamente “nasceu” e que assume há quase 60. “Até
               em casa, a gozar a reforma? “A minha vida é aqui, mesmo que ago-  amigos já cá vieram perguntar quanto eu queria. Disse-lhe: ‘ofereces
               ra já não tenhamos o movimento que registávamos há 20 ou 30 ou   10 milhões, multiplicas por 20 e mesmo assim eu não aceito’. [Risos]
               mais anos”, lamenta.                                   Se não tivesse isto, já tinha morrido…, mas eu vou estar aqui até aos
                                                                      150 anos, pelo menos, por isso, ainda tenho tempo”, garante, entre
               A evolução do comércio, nomeadamente, do pronto a vestir, fez com   gargalhadas. “Gostava as minhas filhas pudessem continuar o negó-
               que menos pessoas visitem a loja. “Há uns anos, tudo se fazia a me-  cio”, acrescenta.
               tro. Os botões eram escolhidos, a linha era escolhida. A alfaiataria de
               Braga era de muita qualidade, tínhamos grandes alfaiates e grandes   Neste ramo, não se podem fazer grandes perspetivas, afirma o pro-
               modistas. Hoje, mão há mais que dois ou três. Se não quiser esperar,   prietário. “Introduzimos as roupas de bebés, que têm muita qualida-
               vai ali à rua dos Capelistas e traz um fato à medida na hora, porque   de. Introduzimos os lenços, um projeto da minha neta Inês… estamos
               já lá estão, não precisam ser feitos. É só escolher. O senhor conhece   a ver como o mercado se comporta, temos de ser cautelosos. Já não
               algum alfaiate?”, questiona. Respondo que conheço um. “Tem mui-  conseguimos fazer encomendas como dantes, tudo é mais rápido.
               ta sorte, que não os há”, graceja. Apesar dos tempos difíceis, Carlos   Antes, chegávamos a casa tão cansados! Agora, descansamos mais
               Sarmento Pereira considera que os clientes que continuam a visitar   que trabalhamos [risos]”.
               a Casa Pereira das Violas são menos, “mas fiéis”.
                                                                      Antes de terminar, dá a entender que demorámos muito tempo na
               Novos tempos implicam novos desafios                   entrevista – “É uma entrevista ou uma conversa?”, questiona-nos, e
                                                                      diz-nos que tem um problema muito grave para resolver, mas que
               Uma das caraterísticas de Carlos Sarmento Pereira é a forma direta   tem de ser feito. “Anda-me a preocupar há vários dias”, finaliza, antes
               como responde, mas sempre com muita graça. Nunca ponderou,   de assumir o seu posto novamente, à secretária… sem computado-
               realmente, despedir ninguém para controlar custos, porque “são da   res, como destacou.
               família”. A forma como o mercado evoluiu é que o deixa desgastado.



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