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REPORTAGEM



               É um símbolo do comércio de Braga e tem a chancela ‘Lojas com História’

               CASA PEREIRA DAS VIOLAS:


               UMA HISTÓRIA DE RESILIÊNCIA





                                                                       106 anos de história, sempre no mesmo local, como “asseguram” as
                                                                       gavetas e os móveis de madeira – alguns, entretanto, renovados pela
                                                                       obrigação do tempo – fazem da Casa Pereira das Violas a mais antiga
                                                                       retrosaria da cidade.

                                                                       A história começou com “pompa e circunstância” e está marcada na
                                                                       primeira página do Jornal O Primeiro de Janeiro, de dia 3 de 1918,
                                                                       que anuncia a abertura do “Estabelecimento de miudezas, fazendas
                                                                       brancas e artigos para bordas, 56, Avenida Central, Braga”, infor-
                                                                       mando que o proprietário Manuel Pereira tinha muito gosto em re-
                                                                       ceber todos, amigos e clientes, no seu novo espaço. O nome “Pereira
                                                                       das Violas”, pelo qual era conhecido, ganhou-o por ter trabalhado
                                                                       como caixeiro com José António dos Santos, conhecido como “José
                                                                       da Viola”, numa empresa que já não existe. A fama que granjeou jun-
                                                                       to da clientela deu-lhe “asas” para se lançar por conta própria, ainda
                                                                       muito jovem. “O meu pai era um excelente aluno, muito perspicaz e,
                                                                       acima de tudo, sério”, refere Carlos Sarmento Pereira, filho do fun-
                                                                       dador, que ainda hoje lidera a empresa, aos 98 anos, com a ajudas
                                                                       das filhas Rosa e Teresa Sarmento.
                                                                       Estávamos no início do século, o auge das rendas e bordados, numa
                                                                       época em que, em todas as casas, mais humildes ou mais abastadas,
                                                                       as mulheres eram ensinadas desde jovens a costurar e não havia
                                                                       pronto a vestir, mas alfaiatarias e modistas que faziam tudo por me-
                                                                       dida. Por isso, tantos as linhas, como os botões ou os apliques eram
                                                                       escolhidos pelo cliente, o que obrigava a ter variedade e qualidade,
                                                                       porque a durabilidade era uma caraterística muito valorizada.
                                                                       Continuar o legado do fundador

                                                                       Em 1969, após a morte inesperada do fundador, Carlos Sarmento
                                                                       Pereira assume o negócio da família. Não gosta de se recordar da
                                                                       época, mas lembra que a sua vida já estava encaminhada.  “Eu já
                                                                       estava a trabalhar na Caixa Sindical de Providência do pessoal da
               O            s estabelecimentos comerciais, como o que lhe   gabinete para mim. Tive de voltar repentinamente. Éramos seis ir-
                                                                       Indústria Têxtil, no Porto, já era subchefe de secção e já tinha um

                                                                       mãos, mas, por várias razões, apenas eu estava disponível. Não sei
                            apresentaremos  agora,  são  raros,  muito raros,
                                                                       bem as datas… eu sou bom a história, mas com as datas não [risos]”,
                            mas ainda vão sobrevivendo, fruto de uma resi-
                                                                       afirma o proprietário. Assumiu o negócio e fê-lo crescer ao ponto
                            liência ímpar dos donos e dos valores que pas-
                            sam para a geração seguinte. São, quase sempre,
                                                                       contar encontrar o que precisavam.
               os filhos, netos ou trinetos dos fundadores que fazem questão   de ser considerado o “Tem Tudo”, porque os clientes iam sempre a
               de continuar o negócio, porque o comércio é muito mais que um   - Tem 98 anos, certo?, perguntámos.
               simples ganha-pão: é a sua vida.
                                                                       - Quem disse? [risos], respondeu-nos.
               Como é que lojas centenárias continuam a resistir à pressão do   Não quer saber do tempo. Aliás, o tempo é coisa de que sempre lhe
               imobiliário, à falta de clientes e ao comércio online e conti-  faltou. Acumulou, ao longo da vida, a gestão da loja com a profis-
               nuam a acrescentar anos à história – e a ficar na história do co-  são de professor do Ensino Secundário, na área de contabilidade.
               mércio? São questões que quisemos responder numa animada   A grande parte dos contabilistas da cidade estudaram com ele, um
               conversa com Carlos Sarmento Pereira.                   motivo pelo qual se orgulha, porque acredita ter feito um bom tra-

                                                                       balho. E só há um par de anos deixou de fazer a contabilidade da
               Texto: Manuel Costa. Foto: Hugo Delgado                 Casa Pereira das Violas, um trabalho que um ex-aluno assumiu.


               12                                               JANEIRO · 2024                               #SIMatuaREVISTA
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