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CRÓNICA
ENTRE A LEI E O AFETO:
A MAIORIDADE E O DESAFIO
DA DEPENDÊNCIA NOS JOVENS
E m Portugal, a guarda partilhada é atualmente um dos É essencial que a legislação portuguesa evolua para dar
COM NECESSIDADES ESPECIAIS
modelos preferenciais em processos de divórcio, re-
resposta a esta realidade, promovendo um enquadra-
mento legal adequado às necessidades destas famílias.
conhecendo a importância de ambos os progenitores
Torna-se imprescindível criar um regime de correspon-
estarem presentes na vida dos filhos menores. Esta
sabilização parental para filhos maiores com depen-
corresponsabilização visa proteger o superior inte-
resse da criança, assegurando uma partilha equitativa
dência continuada, incluindo planos de cuidados que
complementem ou substituam a pensão de alimentos,
dos cuidados, da educação e das decisões essenciais.
Contudo, este regime de proteção termina quando a
a partilha equilibrada de responsabilidades.
criança atinge a maioridade, aos 18 anos, mesmo que
continue a necessitar de apoio contínuo devido a
A entrada em vigor da Lei n.º 49/2018, que criou o regi-
doenças crónicas, limitações intelectuais, motoras ou bem como uma maior intervenção judicial para garantir
me do maior acompanhado, representou um importan-
outras condições de saúde.
te avanço na proteção jurídica de pessoas adultas com
A maioridade é frequentemente confundida com au- necessidades especiais. Este regime veio substituir as
tonomia plena, mas a realidade demonstra que muitos figuras da interdição e da inabilitação, permitindo que o
jovens adultos mantêm uma elevada dependência nas tribunal designe um acompanhante para prestar apoio
suas rotinas diárias, nos cuidados médicos, nos deslo- à pessoa maior, adaptando esse apoio ao grau de auto-
camentos e no apoio à tomada de decisões. Infelizmen- nomia e às áreas onde efetivamente necessita de ajuda.
te, o atual enquadramento legal não acompanha esta Nem todos os maiores acompanhados estão totalmen-
realidade. Após os 18 anos, o Código Civil limita-se a te privados da capacidade de exercício; o acompanha-
regular a obrigação de alimentos, geralmente até à con- mento é definido com base nas necessidades específi-
clusão dos estudos, não existindo qualquer norma que cas de cada pessoa, podendo manter plena capacidade
assegure a continuidade da partilha de cuidados entre para determinadas decisões. No entanto, apesar deste
progenitores separados. Na prática, isso resulta numa progresso, o regime do maior acompanhado centra-se
distribuição desigual das responsabilidades, ficando a essencialmente na proteção e representação legal da
grande maioria das tarefas quotidianas a cargo de um pessoa, não prevendo qualquer mecanismo que asse-
dos progenitores, quase sempre a mãe, enquanto o ou- gure a partilha efetiva de responsabilidades parentais
tro se limita ao apoio financeiro. entre progenitores separados.
Este desequilíbrio tem consequências profundas para Ser pai ou mãe de uma pessoa com necessidades es-
o progenitor cuidador, causando desgaste físico e emo- peciais é um compromisso vitalício, feito de amor, for-
cional, bem como impactos na sua vida profissional e so- ça e dedicação diários. A maioridade legal não deve ser
cial. Para além disso, ao afetar o bem-estar do cuidador, confundida com independência real. A lei deve acom-
compromete-se também a qualidade do apoio prestado panhar esta realidade, protegendo não só quem cuida
ao jovem adulto, que continua a necessitar de uma rede com tanta entrega, mas sobretudo quem mais precisa
de apoio sólida e estável. de apoio e compreensão ao longo da vida.
A ausência deste enquadramento legal cria um vazio Só assim poderemos construir uma sociedade mais justa
que contribui para injustiças silenciosas dentro das fa- e solidária, onde o cuidado e a responsabilidade são de
mílias. Se, durante a infância, a lei exige corresponsabi- todos, para benefício de quem mais precisa.
lização parental, por que motivo essa exigência desapa-
Fátima Campos rece quando a dependência se prolonga para além dos
18 anos?
82 NOVEMBRO · 2025 #SIMatuaREVISTA

