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REGIÃO
Viana do Castelo arde em fé, ouro e fogo
ROMARIA D’AGONIA É O CORAÇÃO
QUE BATE MAIS FORTE EM AGOSTO
D urante quase duas semanas, Tudo começa a 8 de agosto, com a inauguração
Texto: Patrícia Sousa
da feira de artesanato e a exposição de rua, si-
Viana do Castelo deixa de
nal de que as ruas já não pertencem ao trânsito,
ser apenas uma cidade. Vira
mas ao povo. Os primeiros sons de concertinas
ritual, memória, promessa e
vertigem. A Romaria d’Agonia,
espaço para as arruadas, as danças regionais, os
mais do que uma festa, é um e bombos ecoam pelos becos e praças, abrindo
pulsar coletivo onde a fé dança com o povo, e cantadores ao desafio. A cidade acorda — e acor-
o mar devolve em eco o amor com que é cele- da diferente.
brado. Aqui, a alma não assiste: participa. O desfile da Mordomia, no dia 14, é um dos pon-
É agosto e o coração minhoto começa a bater tos altos — ver passar centenas de mulheres
mais forte. Em Viana do Castelo, não se cele- vestidas com o ouro do Minho, não é ver uma
bra só uma romaria — celebra-se quem somos, tradição: é sentir o peso da história ao colo. São
quem fomos e quem nunca deixaremos de ser. rainhas de um povo que nunca esqueceu de aquilo que Viana sempre soube: que o mar leva,
A Romaria d’Agonia não cabe numa folha de onde veio. São avós, mães, netas que bordam mas também devolve. Que chora, mas também
programa: precisa de ruas inteiras, de vozes em identidade e orgulho em cada dobra da saia.No embala. E que, entre as mãos salgadas dos pes-
coro, de multidões rendidas à beleza do traje, da mesmo dia, à noite, a Avenida dos Combatentes cadores, mora a coragem de todos nós.
música, do mar, da devoção e da luz. Há festas explode de vida com o desfile dos Zés P’reiras, À noite, a cidade transforma-se. O céu deixa de
que se vivem, há festas que se contam, e depois bombos e folclore, anunciando que a cidade já ser só céu. É palco. É espelho. É o altar onde se
há a Romaria d’Agonia — essa que se sente nas não dorme — sonha acordada. escreve a eternidade de um povo que sabe ce-
entranhas, que se grava na pele, que se guarda No dia 15, a cidade é dos pequenos e dos gigan- lebrar com o corpo inteiro. No fim, quando o
no peito como um segredo antigo. Em Viana do tes: a Romaria dos Pequeninos desfila com o último foguete rebentar no céu, não há silêncio
Castelo, a romaria não se faz, acontece. Cresce futuro nas mãos, enquanto os gigantones e ca- — há eco. O eco de uma cidade inteira que se
no tempo e desagua no mar, como a fé dos pes- beçudos atravessam as praças com gargalhadas levantou para dançar, rezar, cantar e recordar. A
cadores que lhe deram origem. e espanto. À meia-noite, o Fogo Preso transfor- Romaria d’Agonia é feita de muitos: do pescador
ma o céu em tapeçaria viva — e há sempre quem que oferece a vela, da criança que põe a primeira
O programa pode durar duas semanas, mas o flor no tapete, da mulher que volta a vestir o traje,
que aqui se vive é eterno. De 8 a 20 de agosto, chore, não se sabe se de emoção ou saudade. do emigrante que atravessa continentes só para
a cidade veste-se de ouro, fogo, flor, devoção e Mas se há festa, há também fé. E na Romaria estar ali. Viana é assim. E quem lá vai, nunca mais
música para lembrar que, por aqui, a tradição é d’Agonia, fé e mar andam de mãos dadas. No vê agosto da mesma forma. Porque quem entra
coisa viva. E o coração bate mais forte. dia 20, a Procissão ao Mar devolve ao oceano na Romaria d’Agonia, entra para sempre.
60 AGOSTO · 2025 #SIMatuaREVISTA