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CRÓNICA


                                      DA INVESTIGAÇÃO À AÇÃO:

                                      PORQUE É IMPORTANTE FALAR

                                      DAS DESIGUALDADES DE GÉNERO


                                      E DOS DIREITOS DAS MULHERES?
                A                     igualdade de género é um dos 17 Objetivos do Desen-  procurado relacionar com a forma como as mulheres são



                                                                                  educadas, as expetativas sociais que possuem e que mui-
                                      volvimento Sustentável e que acaba por ser transversal
                                      a todos os outros. Está descrito no documento que es-
                                                                                  tas vezes se conformam com visões tradicionais de género.
                                      tas prioridades visam melhorar a qualidade de vida das
                                                                                  Já dizia Simone de Beauvoir que “ninguém nasce mulher,
                                      pessoas e devem ser incorporadas nas políticas públicas
                                                                                  torna-se mulher” e isto é um claro exemplo disso. Podemos
                                      dos países. Vivemos precisamente um tempo em que os
                                                                                  até questionar: porque as mulheres continuam a ser tão es-
                                      direitos humanos, onde estão incluídos os direitos das
                                      mulheres, estão a ser alvo de retrocessos a nível mundial.
                                                                                  visíveis? Só 29% dos cargos de liderança tecnológica são
                                      A proliferação de discursos de ódio, os extremismos, po-
                                                                                  ocupados por mulheres.
                                      pulismos e anti-feminismos colocam em causa direitos   cassas em determinadas profissões? Ou porque são menos
                                      conquistados e recentram as lutas e as preocupações dos   Mesmo em áreas que existe um grande número de mulhe-
                                      movimentos sociais e da academia.           res quem muitas vezes fala e tem visibilidade pública em
                                                                                  eventos são homens. Quando se questiona a falta de repre-
                                                                                  sentatividade os discursos que se levantam fazem emergir
                                                                                  perguntas como: não há nada mais importante? A repre-
                                                                                  sentatividade importa, os exemplos inspiram as crianças a
                                                                                  seguir as carreiras nessas áreas em que estão ausentes.
                                                                                  O panorama nacional também nos mostra retrocessos. Da-
                                                                                  dos do INE, recolhidos pela Ransdstat - empresa que traba-
                                                                                  lha no setor dos recursos humanos - revelam que a diferen-
                                                                                  ça salarial entre homens e mulheres aumentou mais de 70%
                                                                                  em 10 anos. Há mais mulheres no mercado de trabalho e até
                                                                                  em cargos de chefia, mas o salário não está a acompanhar
                                                                                  essa evolução e revela fortes desigualdades.
                                                                                  Falar da participação das mulheres na esfera laboral implica
                                                                                  olhar para a dimensão da vida privada, da esfera domésti-
                                      Quando se fala de direitos humanos não se podem dar as
                                      conquistas como algo adquirido e perene. Como cidadãos   ca e do cuidado. De acordo com o estudo ‘As mulheres em
                                      há o dever de vigilância contínua de forma a não colocar   Portugal, hoje’ (2019), da Fundação Francisco Manuel dos
                                      direitos democráticos em questão. É disto também que se   Santos, 56% do tempo que as mulheres passam acordadas
                                                                                  em casa é dedicado a trabalho não pago (3h48m). Este tra-
               Carla Cerqueira        deve falar quando se menciona a pertinência no combate   balho continua a ser desvalorizado socialmente e a não ser
                                      às desigualdades de género. As diversas formas de violência
               Professora Associada e investigadora,   e desigualdade que persistem são ainda muitas vezes silen-  sequer equacionado como uma forma de trabalho que sus-
               Universidade Lusófona, CICANT                                      tenta a sociedade.
               carla.cerqueira@ulusofona.pt/carla-  ciadas, como se víssemos apenas a ponta do iceberg.
               prec3@gmail.com
                                      No relatório sobre a revisão dos direitos das mulheres 30
                                      anos depois da Plataforma de Ação que saiu da Conferên-
                                      cia de Pequim, publicado este ano pela ONU Mulheres,
                                      pode ler-se que, a nível mundial, a cada 10 minutos, uma
                                      mulher ou rapariga é morta pelo parceiro ou por um mem-
                                      bro da família, e uma em cada três é alvo de violência física
                                      e sexual, tanto em casa quanto fora dela. As mulheres con-
                                      tinuam muito vulneráveis no mercado de trabalho e são as
                                      principais vítimas de violência, nomeadamente em contex-
 *Fotos: Diana Choi Loureiro          tos de guerra.
                                      Se pensarmos em esferas de poder podemos centrar a aten-
                                      ção na área das tecnologias que é central nos dias atuais e
                                      que será no futuro. A presença feminina no setor tecnoló-
                                      gico continua a ser desigual. De acordo com um relatório   Os  dados  são  fundamentais  para  percebermos  os  fenó-
                                      da HP, as mulheres têm tendência a candidatar-se apenas   menos, as estatísticas para descortinar os problemas, os
                                      quando preenchem 100% dos requisitos de uma vaga neste   estudos com componente mais sociológica, histórica e psi-
                                      setor, enquanto os homens o fazem com apenas 60%. Es-  cossocial para os entender e encontrar estratégias de ação.
                                      tes dados mostram que elas sentem um maior escrutínio e   É por isso que a investigação neste domínio é tão central e
                                      falta de auto-confiança, aspeto este que a investigação tem   exige que se convoquem múltiplas áreas do saber.


               50                                               MARÇO · 2025                                 #SIMatuaREVISTA
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