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CRÓNICA


                                       O BRILHO DE TIBÃES
               A                      identidade de um povo é aquilo que o torna único e irrepe-  historiador José Carlos Peixoto dá a lume até os limites do



                                                                                  couto, tendo ido aos sítios onde foram colocados os marcos
                                      tível, digno de ser amado, e o amor pela cultura onde se vive
                                                                                  de pedra, hoje abandonados, e alguns inclusive desapare-
                                      só existe se o indivíduo se amar a si mesmo. Ninguém ama
                                                                                  cidos, que delimitavam as terras do mosteiro; ou que o rei
                                      se não se amar. Identidade é coesão. O historiador romano
                                      Salústio, do século I a.C., disse que quando há concórdia,
                                                                                  Miro, dos Suevos, escolheu aquele lugar paradisíaco, que
                                      até as nações pequenas prosperam; e se há discórdia, até
                                                                                  desce em branda vertente para o rio Cávado, para nele
                                                                                  edificar o seu palácio, ao lado do retiro dos monges que se-
                                      as maiores se arruínam — palavras proféticas, já que foi a
                                      discórdia a arruinar o Império Romano. Pois esta concórdia
                                                                                  por «Mosteiro Palatino» (monasterium palatini — «palatini»
                                      brotada do amor impediu a destruição de muito do nosso
                                      património cultural.
                                                                                  terá dado o nome a Padim da Graça, que fazia também par-
                                                                                  te do couto), e que Miro deu o nome a Mire de Tibães. José
                                      O professor e historiador José Carlos Gonçalves Peixo-  guiam a regra de São Bento, e que por isso ficou conhecido
                                                                                  Carlos Peixoto reconhece a importância fulcral de estudar
                                      to nasceu, cresceu e vive à sombra do mosteiro de Tibães.   o passado, como diz nesta sua obra das memórias do couto:
                                      Ele mesmo assim se descreve. Como expressar melhor o   “Se não ousássemos efetuar este trabalho neste momento,
                                      amor  que se sente  por  algo inestimável que  pertence ao   dentro de uma década toda a história local se perderia. Res-
                                      lugar onde se nasceu? Deus brilha no mosteiro beneditino,   gatamos, assim, da erosão e do esquecimento um conjunto
                                      como se aqueles campanários elegantemente coroados   notável de tesouros”.
                                      de bolbos fossem o próprio Sol, e José Carlos Peixoto não
                                      perde de vista o foco que já esteve a ponto de se apagar. O   A juntar a esta dedicação, José Carlos Peixoto escreve com
                                      amor atalhou o avanço das trevas. Ele tem a noção de que   a agilidade de um poeta. Repare-se na subtileza desta pas-
                                      o mosteiro é perecível, por isso precisa de carinho. Está   sagem, na mesma obra: “Tibães é um daqueles locais que
                                      ferido, sangra, foi amputado a ferro e fogo de um claustro   parecem estar escondidos com o raro propósito de serem
                                      inteiro e de seus anexos, dói ver a chaga em carne viva. Isto   descobertos”. Isto coroa de magia aquele lugar, dá vontade
                                      só aconteceu porque se interrompeu a ligação umbilical   de lá ir respirar a atmosfera mística, de contemplar o maior
                                      com aquela joia do nosso património. Agora, o corpo do-  pinheiro de Portugal, plantado pela ternura dos monges, ou
                                      rido, vulnerável, carece de atenção. A memória não deixa   de ascender pelo escadório até ao paraíso de São Bento, es-
                                      esquecê-lo. É esse o título de um dos livros que José Carlos   calada sublime ao longo das sete virtudes. Acima de tudo,
                                      Peixoto escreveu, coligindo os resultados de investigações   dá vontade de o cuidar, e é disso que o legado cultural pre-
                                      a Tibães e ao antigo couto, e que ganhou em 2017 o Prémio   cisa: cuidado, em todos os sentidos.
                                      de História Local Dr. Manuel Monteiro, Memórias do couto
                                      de Tibães, incluindo preciosa informação histórica daquela   O  prolífico  historiador  tibianense  escreve  também  sobre
                                      comunidade, cujo trajeto foi pleno de vicissitudes após a   outros locais, como o Bom Jesus de Braga, recentemente
                                      extinção das ordens religiosas, em 1834, quando o mosteiro   distinguido pela UNESCO, e cujo conselho científico da
                                      ficou entregue à incúria e à pilhagem.      candidatura do santuário a património mundial integrou.
                                                                                  Lembremos os livros Bom Jesus do Monte, ou O funicular
                                      Para amarmos a nossa história temos de a conhecer, e não   do Bom Jesus, devotados a “um conjunto notável de tesou-
                                      há dúvida de que o conhecimento traz afeição. Um tibia-  ros”.
                                      nense tem orgulho de saber que a sua terra já foi a mãe de
                                      todos os cenóbios beneditinos dos reinos de Portugal, e o





               João Nuno Azambuja































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