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CULTURA CULTURA
VITALIDADE DO GUIMARÃES JAZZ À 33ª
EDIÇÃO AFIRMA JAZZ CRIATIVO E EM
SINCRONIA COM O SEU TEMPO
E m 2024, ano em que o festival cumpre a sua 33ª edição, o mentos altos do festival. A acompanhar o pianista estará uma secção
Guimarães Jazz dá provas da sua reputação e da sua vita-
rítmica composta por Eric Revis e Damion Reid, o mesmo alinhamento
do trio que gravou recentemente o álbum “Seismic Shift”, de 2022, o
lidade através de um cartaz que aposta no jazz criativo e
qual será previsivelmente o centro da atuação desta formação no fes-
em sincronia com o seu tempo. O programa de concertos,
que será apresentado de 7 a 16 de novembro, destaca-se
pela defesa da posição autoral dos músicos, pela atual tival.
qualidade do jazz nacional, por uma reforçada componente orquestral A parceria entre o Guimarães Jazz e a Orquestra de Guimarães terá
e por uma natureza comparativamente descentrada da tradição jazzís- este ano honras de encerramento e merece também um destaque
tica mais clássica ou purista da maior parte dos projetos presentes no acrescido, não apenas pelo compositor que a irá conduzir e liderar – o
elenco que inclui nomes como Maria Schneider & Clasijazz Big Band, macedónio Dzijan Emin, um músico ainda pouco conhecido mas com
Wadada Leo Smith, Ambrose Akinmusire, John Escreet, Dzijan Emin um percurso invulgar e extremamente original que irá previsivelmente
com Orquestra de Guimarães, Sara Serpa, André Matos, Jeff Ballard surpreender o público com a sua fusão criativa de jazz e música tradi-
e Craig Taborn, Tommaso Perazzo, Marcelo Cardillo, entre muitos ou- cional dos Balcãs, uma das mais populares do reportório europeu de
tros. tradição folclórica, e que se apresentará acompanhado de oito músi-
cos também da Macedónia –, mas também pela evolução extrema-
A abertura da 33ª edição do Guimarães Jazz, a 7 de novembro, será mente positiva desta orquestra local, provando assim a pertinência das
protagonizada pelo quarteto liderado pelo poderoso trompetista Am- parcerias assumidas pelo festival com organizações e coletivos fora da
brose Akinmusire – de regresso a Guimarães oito anos depois de uma sua órbita.
atuação memorável neste palco –, o qual se apresentará acompanha- Esta secção colaborativa do Guimarães Jazz completar-se-á com as já
do pelo Mivos String Quartet, bem como por quarteto composto por tradicionais colaborações com a Orquestra da ESMAE – este ano diri-
uma produtora de música de dança, um vocalista e um baterista, num gida pelo quinteto do jovem pianista Tommaso Perazzo que, em 2023,
formato heterodoxo e praticamente inédito que suscita grandes expe- junto com o baterista Marcelo Cardillo, o qual também fará parte deste
tativas.
grupo, causou fortíssima impressão em Guimarães acompanhando o
Na primeira sexta-feira do festival, dia 8, será a vez de subir ao palco um contrabaixista Buster Williams, quinteto esse que será também res-
quarteto inédito coliderado pela vocalista Sara Serpa e pelo guitarrista ponsável, como sempre acontece, pelas oficinas de jazz e pelas jam
André Matos (ambos músicos portugueses com uma carreira no circui- sessions.
to jazzístico norte-americano que prestigia o jazz português), os quais
surgirão acompanhados por um colaborador habitual (o experiente A Porta-Jazz propõe o projeto multimédia “Fissuras”, protagonizado
baterista Jeff Ballard) e por Craig Taborn, um dos grandes pianistas de por uma formação liderada pelo saxofonista cubano Hery Paz e com-
jazz contemporâneos que valerá certamente a pena reencontrar. plementado por uma componente de vídeo da responsabilidade da
artista Maria Mónica; a Sonoscopia apresentará uma formação mais
No sábado da primeira semana, 9 de novembro, está prevista uma alinhada com o fenómeno jazzístico do que em edições anteriores –
programação dupla: durante a tarde, será possível ouvir o prestigiado representado este ano pelo trio liderado pelo trompetista português
grupo de percussão português Drumming – um ensemble excecional Luís Vicente e com a participação especial de Camilla Nebbia, uma
de músicos que tem desenvolvido ao longo das últimas duas décadas saxofonista argentina emergente do jazz europeu contemporâneo; e,
uma obra impressionante de interpretação de reportório erudito e de finalmente, o João Rocha Quartet, que conquistou os prémios de Me-
fusão do mesmo com o jazz, que neste concerto se apresentará em co- lhor Ensemble e Melhor Arranjo da edição de 2024 do concurso de
laboração com o pianista Daniel Bernardes numa revistação e home- jazz da Universidade de Aveiro, e o qual terá a curiosidade adicional
nagem ao compositor György Ligeti, reconhecidamente um dos mais de ser desta vez protagonizado por jovens músicos que já atuaram no
influentes do século XX; à noite, no palco principal do festival, apresen- Guimarães Jazz integrados na Orquestra da ESMAE.
tar-se-á o primeiro dos projetos puramente orquestrais desta edição:
a reputadíssima compositora e arranjadora Maria Schneider, um dos Na sua 33ª edição, o Guimarães Jazz vê-se, à imagem da própria mú-
nomes maiores do jazz orquestral da atualidade, regressa a Guimarães sica que representa, inevitavelmente confrontado com a circunstância
para uma revisitação retrospetiva da sua obra dirigindo a Clasijazz – do seu próprio peso histórico e com as vantagens e desvantagens que
uma orquestra andaluz criada recentemente e formada por um naipe esse lastro representa quando são equacionadas novas estratégias de
de músicos competentes da cena jazzística espanhola. programação. Considerando que a reputação e a vitalidade do Guima-
rães Jazz advêm não apenas dos números que sustentam a sua história,
Depois de uma primeira semana marcada pela diversidade de estilos e mas da sua habilidade para captar influências e dessa forma promover
formatos, a segunda semana abrirá a 14 de novembro com aquela que uma relação imaterial entre os músicos e o público, este ano, como é
é, pela dimensão colossal da sua obra e percurso musical, sem dúvida sempre o caso no Guimarães Jazz, o elenco de projetos e artistas apre-
a grande figura de cartaz do Guimarães Jazz 2024 – o trompetista Wa- sentados – não sendo necessariamente os mais conhecidos ou os mais
dada Leo Smith, um músico fundamental dos últimos cinquenta anos favorecidos pela crítica mainstream – foi pensado exclusivamente no
que, em Guimarães, se apresentará em quinteto para um concerto que sentido de preservar esse pacto de confiança e, assim, defender a per-
se antecipa histórico. No dia seguinte, o público assistirá à atuação do tinência do jazz num contexto frequentemente marcado por processos
trio liderado por John Escreet, um pianista portentoso e imprevisível e discursos hostis a um estilo musical que alguns consideram ultrapas-
cuja evolução e amplitude criativa justifica a sua atuação pela primeira sado pelos acontecimentos e, sobretudo, pela evolução tecnológica.
vez em nome próprio neste palco, naquele que poderá ser um dos mo-
60 AGOSTO · 2024 #SIMatuaREVISTA