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ENTREVISTA ENTREVISTA
Porque é que foi possível a Braga chegar a
Cidade Criativa da UNESCO?
Existe uma Rede de Cidades Criativas da UNESCO,
de 350 cidades em 100 países, em sete áreas cria-
tivas: Artesanato, Design, Cinema, Gastronomia,
Literatura, Música e Media Arts. No fundo, o que
as une é a vontade de valorização da cultura em
geral e da área criativa particular de cada cidade,
no sentido de estabelecerem projetos de parce-
ria que as beneficiem. No caso de Braga, fizemos a
candidatura em 2017, com a intenção de promover
a relação entre arte, tecnologia, ciência e socieda-
de. Aa cidade foi acolhida na sub-rede ou área cria-
tiva das Media Arts e tem desenvolvido um pro-
grama muito abrangente desde essa data, acres-
centando valor ao que já se fazia. Ou seja, quando
nos candidatámos, há sete anos, já existia um con-
junto de condições e ‘ativos’ – equipamentos, artis-
tas, eventos, festivais – que justificava a candida-
tura naquela área e, desde aí, temos tentado fazer
ainda mais. Porquê Media Arts e não gastronomia,
por exemplo? Porque o que interessa mais aqui é o
que pode vir a ter, o que se pode conquistar e não
tanto o que a cidade já tem. Implementámos um
projeto pedagógico, criámos colaborações com
artistas portugueses e internacionais; apostámos centrámo-nos nas reflexões sobre o quê que as uma referência. O INDEX surgiu com a classifica-
forte na Bienal de Arte e Tecnologia INDEX, entre cidades fazem para que sejam realmente incluídos ção, em 2017, como Braga Cidade Criativa para
outros projetos.
no processo de decisão. as Media Arts, e realizámos a segunda edição em
Em que contexto Braga organizou a XVI Que balanço faz dos cinco dias de reuniões? Maio deste ano – estamos já a preparar a próxima,
Conferência Anual da Rede das Cidades daqui a dois anos. Temos um programa pedagógi-
Criativas da Unesco? Em primeiro lugar, destaco a grande adesão que co pensado para todas as idades, desde as crianças
registámos. Estamos a falar na presença de 257 mais pequenas, até aos seniores, com uma com-
Todos os anos, as 350 cidades reúnem-se fisica- das 350 cidades, o que é um número muito posi- ponente de comunidade muito evidente. E, desde
mente para discutirem os temas importantes nas tivo, com representações de todos os continen- há três anos, temos um mestrado em colabora-
suas agendas e fortalecerem as relações entre tes. Tivemos cerca de 700 inscritos, o que valo- ção com a Universidade do Minho, no qual dividi-
elas. Nós candidatámo-nos em 2022 para receber rizou todas as discussões que foram propostas. mos algumas responsabilidades. É certo que não
este evento – havia duas cidades que estavam bem Debatemos temas muito importantes e relevan- é uma licenciatura, mas é um mestrado que foi
posicionadas, Braga e o Dubai –, mas as cidades- tes, nomeadamente, no que diz respeito à cultura desenvolvido após o reconhecimento de Braga
-membro escolheram-nos. Candidatámos um como forma de erradicar a pobreza, a disparida- pela UNESCO, de forma a permitir aos estudantes
programa, focado no facto da rede, que celebra 20 de de género ou a exclusão social. E criámos um terem uma oferta focada na formação de artistas
anos, estar a crescer muito e na necessidade de se manifesto – Manifesto de Braga – assinado pelos ou profissionais que querem trabalhar no âmbito
repensar o que é ser cidade criativa da UNESCO. que cá estavam e com a manifestação de apoio por das Media Arts. Além disso, é importante que se
Cada vez há mais cidades a quererem pertencer aquelas que não puderam estar presentes. É um produza pensamento crítico sobre esta relação
a esta rede e temos de avaliar quais as suas inten- documento que está alinhado com a Declaração entre a arte, tecnologia e ciência.
ções, a forma como pretendem implementar as MONDIACULT 2022 (declaração dos Ministros
políticas culturais nos seus países e qual o impacto da Cultura dos Estados Membros da UNESCO) e Atualmente, discute-se muito os limites da
que isso vai ter para as suas comunidades, mas é uma forma de solidificar uma visão partilhada das tecnologia, nomeadamente, com o advento da
também de que forma se podem relacionar com cidades que assunem a importância de integrar a inteligência artificial (AI). Acha que a AI está a
a rede. trazer benefício à criação artística ou está-se
cultura nos objetivos do desenvolvimento susten- a entrar numa área cinzenta, em que não se
O tema escolhido foi “20 Anos de UCCN: Tra- tável. As cidades não são governos, mas têm muita conhecem limites?
zendo a Juventude para a Próxima Década”. influência no território a nível local e regional. Por
Quais as razões por detrás desta escolha? isso, ao assumirem este compromisso de imple- Como todas as tecnologias, a AI levanta desa-
mentarem um número de ações nos seus territó- fios aos artistas. Estamos sempre a pensar de que
O tema foi um pouco olhar para o passado, rios que valorizem a cultura como fator de cresci- forma a usam para representar o mundo. Temos
baseado no estudo que a UNESCO apresen- mento, vão pressionar os seus governos a alinha- trabalhado este tema da AI no nosso programa de
tou, que procurou esclarecer qual o impacto que rem-se com esse compromisso: que a cultura é um duas maneiras. Por um lado, desafiando artistas a
teve nas cidades que se tornaram membro e que bem público e deve ter um orçamente condigno. usarem-na de uma perspetiva crítica. Por exemplo,
relações se estabeleceram entre si. No entanto, explorando temas como de que forma a recolha de
mais importante que olhar para o que aconte- Durante o ano, temos eventos que assinalam de informações pessoais é usada na criação de algo-
ceu no passado é perspetivar o futuro. Perceber forma mais evidente a importância das Media ritmos para condicionarem os nossos comporta-
o que vamos fazer na próxima década, até porque Arts na cidade, como o Semibreve ou o INDEX. mentos. Por outro lado, temos desenvolvido for-
estamos muito alinhados com a Agenda 2030 e os Acha que haveria espaço, por exemplo, na Uni- mação sobre AI: o que é, como pode ser utiliza-
objetivos do desenvolvimento sustentável. Nesse versidade do Minho, para se criar uma licencia- da em benefício próprio e que questões se levan-
sentido, e como iríamos ter em Braga muitos deci- tura que desse forma a tudo isto? tam no seu uso – e não são apenas questões
sores políticos, interessava-nos trazer para a mesa O Semibreve é um evento que já tem o seu espaço éticas. Temos feito este trabalho com artistas, mas
de discussão os jovens. Discutimos com jovens e
na área das Media Arts a nível mundial, sendo também com escolas.
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