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PINTURA
A ESPIRITUALIDADE E A LITERATURA
“Eu ainda ando a aprender o que é a espiritualidade. Du-
rante alguns anos, devorei tudo o que tinha a ver com este
assunto, desde o budismo ao hinduísmo, tentei saber mais,
tive várias convicções, mas todas elas foram passageiras.
Eu nasci em Trás os Montes, perto de Vinhais, e fui criada
pelos meus avós, era uma alma livre. Nas questões da reli-
gião sempre fui considerada ‘irreverente’ e as questões do
pecado sempre tiveram uma carga muito forte para mim,
penso que ainda não consegui superar e, de certa forma,
continua a fazer sentido para mim continuar a procurar
respostas. Pintar ajuda-me nessa procura”, conta. A figura
feminina é uma constante nas obras “Eu gosto muito do
tema da ligação da mulher à terra, da fertilidade e mater-
nidade, é algo que faz muito sentido para mim e que vou
continuar a explorar”.
A literatura e a mitologia grega também fazem parte des-
te processo. “O Cronos é o deus do tempo, do tempo que
passa, mas há outro que muitas vezes esquecemos, que é
o Kairós, que se refere ao momento que vivemos, ao pre-
sente. E o presente é uma oportunidade que temos de vi-
ver algo extraordinário, sem termos essas amarras do que
passou e a ansiedade do que está para vir. Nós só damos
importância a esse tempo que passa, demasiada. Mitolo-
gicamente, o Cronos devorou os filhos, ou seja, o tempo
‘devora-nos’. A pintura é essa ligação ao Kairós, de apro-
veitar o momento. E eu sempre tive essa limitação comi-
go, de não aproveitar o momento, pela construção social
e tradição do sítio onde vivi, em que a mulher tem de se
comportar de determinada forma, tem de obedecer a de-
terminados preceitos. Pintar não é perder tempo da casa,
da família, do trabalho, mas sim ganhar tempo, o tempo
que precisamos para nós. O Kairós”, garante.
AS EXPOSIÇÕES
Têm sido uma surpresa, uma forma de interação de que
gosta cada vez mais. Há sempre algo novo a retirar em
cada uma. “Cada vez que exponho, revejo pessoas que
conheci ao longo da vida, conheço novas pessoas, e a
forma como interagem com as obras tem sido excecional.
Veem coisas nos quadros que eu nunca tinha identifica-
do, fazem-me perguntas surpreendentes, assuntos sobre
os quais nunca tinha refletido. Por exemplo, por que é
que eu nunca pinto mãos e pés? É uma pergunta curio-
sa e talvez a resposta esteja na necessidade de transmitir
movimento das próprias figuras, de as prolongar,” finaliza.
O primaveril regresso em 2003 às exposições em espa-
ços públicos, após uma demorada ausência, tem sido uma
surpresa e uma forma de interação consigo e com a natu-
reza das pessoas e do mundo.
E é de eternas descobertas que se faz cada exposição.
Para saber mais sobre a autora e obra, pode visitar o
guião da exposição Femina Natura (Casa do Professor,
Braga, maio).
https://wakelet.com/wake/av0ptIauaS-rmIhxTUPqO,
e um blogue criado no início da sua pintura:
https://pinceladas-mjm.blogspot.com/
https://www.facebook.com/maria.morais.35175/
As fotos divulgadas remetem para a atual exposição Te-
la(s) Natura (Piscinas Ribeirão, junho e julho).
#SIMatuaREVISTA JUNHO · 2024 59