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PINTURA PINTURA
MJM
“NÃO SOU PINTORA, SOU NA PINTURA”
M aria José Morais começou a pintar há Foi um ‘click’ que iniciou este processo. “Eu comecei a pintar em 1999.
Na altura fui a uma exposição, no Porto, porque sempre me senti bem
25 anos, com um interregno pelo meio
quando ia ver arte e procurava sempre mais. Sempre vi na arte o ca-
para se dedicar à maternidade. Reco-
minho da espiritualidade. Houve uma tela que me fascinou imenso
meçou há um par de anos, um regres-
so há muito anunciado de uma artista nessa exposição. Eu não tinha dinheiro para comprar aquela tela, que
me marcou. Então, cheguei a casa e tive um impulso, decidi começar
apaixonada pela literatura, que cria telas que fun- a pintar uma espécie de segunda visão que eu tive dessa tela. Nunca
tinha tido nenhuma formação artística ou curso associado às Belas Ar-
cionam como ignição para a imaginação de quem tes, mas fi-la pelo simples desafio. Na vida, acredito que são as paixões
vê. A semiótica da sua obra está enraizada na sua in- e a necessidade que nos movem e, como mudei de casa naquela altura
fância livre em Trás-os-Montes, na procura pelo ca- e tinha a parede perfeita para a tela que me fascinou, comecei a pintar
minho da espiritualidade e pelo estudo da mitologia de forma absolutamente desprendida de qualquer ambição. Apenas
pelo desafio… até hoje”, explica artista.
e antiguidade clássica.
Seguiram-se dois anos frenéticos, quase febris. “Comecei a perceber
que a pintura era capaz de suspender, momentaneamente, o pensa-
mento, o que é uma descoberta fantástica. Eu sou muito cabeça, muito
pensamento, às vezes de forma excessiva e talvez por causa da minha
formação clássica e em literatura”. A pintura é feita essencialmente
com os dedos, embora também use uma espátula. “Nunca sei o que vai
sair, é o processo que define o resultado final. A tela branca é como um
livro, onde eu vejo palavras mesmo que elas lá não estejam. E depois
começa a formar-se alguma coisa. Há sempre texto associado de um
autor de que eu gosto a cada trabalho que faço e eu não sei bem se o
texto dá origem à tela ou o contrário”, afirma Maria José Morais.
FORMAÇÃO COM O MESTRE PORTO MAIA
Os caminhos artísticos levaram-na a conhecer algumas pessoas im-
portantes, que acabaram por marcar os seu percurso. Uma delas, o
mestre Porto Maia. “No início, eu misturava muitas coisas. Fazia cola-
gens, tecidos… Decidi procurar novas técnicas e uma orientação. De-
cidi inscrever-me nas aulas do mestre, no Inatel, durante um ano. Foi
interessante, mas tinha alguma dificuldade com a rigidez e normativi-
dade que me era passada. Quando ele via o que eu fazia dizia: ‘tu és
um bocado ‘maluquinha’, mas há aí qualquer coisa…’. Ele era figurativo
e eu nunca fiz nada nesse sentido. A verdade é que nunca me levei a
sério, mas as pessoas começaram a pedir-me quadros e comecei a ex-
por”, conta.
A maternidade chegou de surpresa, quase aos 40 anos. “Foi um em-
bate na minha vida e dediquei-me quase de forma doentia à educação
do meu filho. Naturalmente, não deu bom resultado… Acabei por me
‘render’ à realidade das coisas – porque até então tinha a vida feita à
minha medida e com algum controle sobre tudo o que lhe dizia res-
peito. Tudo isto fez-me ver a minha fragilidade, permitiu-me aliviar a
‘carga’ do que era acessório e focar-me no essencial. Entrar na pintura
é perder a noção do tempo, é libertar-me de tudo o que me ‘prende’,
relativizar alguns preconceitos que eu tinha e que me levava a alguma
obsessão com a limpeza e organização e até regressar às caminhadas,
que sempre foi uma coisa que me deu muito prazer. Estou a regressar,
não de uma forma tão febril, mas com a mesma vontade”, assegura a
pintora.
58 JUNHO · 2024 #SIMatuaREVISTA