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BRAGA


               Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva abriu portas a tema tabu
               CRIANÇAS MERECEM E PRECISAM


               SABER “A VERDADE” PERANTE A MORTE



              F         alar sobre a morte com crianças continua a ser um
               Texto: Patrícia Sousa

                        dos  maiores  tabus  da  sociedade  —  mas  também
                        uma “urgência” que não pode esperar. A Bibliote-
                        ca  Lúcio  Craveiro  da  Silva  abriu  as  portas  para  se
                        falar  daquilo  que  todos  evitam.  Entre  estratégias
               práticas e partilhas sensíveis, pais, educadores e profissionais
               foram convidados a enfrentar o desconforto e a descobrir que
               falar de luto é também falar de amor.
               Dinamizados por Patrícia Sousa, especialista em Suporte Técnico
               ao Luto, os workshops “Luto e as Crianças” foram um convite a
               pais, educadores e profissionais para explorarem como comuni-
               car perdas, envolver as crianças nos rituais familiares e oferecer-
               -lhes segurança emocional para atravessar momentos difíceis.
               “As crianças sentem a morte antes de a entender. Choram em
               silêncio enquanto fingimos que nada aconteceu. E cada pergun-
               ta sem resposta ou com mentiras deixa cicatrizes invisíveis que
               podem durar a vida inteira. Ignorar o luto infantil não protege nin-
               guém — só deixa marcas”, lamentou a formadora, deixando o de-
               safio: “não podemos ter medo de usar o verbo morrer”.

               Nos dois workshops, Patrícia Sousa falou de como cada faixa
               etária percebe a morte e de como comunicar a perda de alguém
               especial. Foram ainda abordados os rituais, se a criança deve ou
               não estar presente, o que significa este momento para a família
               e, claro, como responder a perguntas difíceis de forma mais ade-
               quada. Identificar sinais de alerta no comportamento infantil foi
               outro dos temas discutidos e até foram sugeridos livros, filmes e
               jogos que podem ajudar a abrir caminho para o diálogo e levar os
               temas morte e luto para a sala de aula ou para a mesa de jantar.
               Questionada sobre se não será demasiado duro expor crianças
               ao tema, Patrícia Sousa é clara: “Duro é deixá-las sozinhas com
               perguntas sem resposta. Elas sentem. Fingir que nada aconteceu
               não elimina a dor — aumenta-a. A verdade, dita com cuidado e   Este ciclo de duas sessões pretendeu capacitar famílias, profes-
               adaptada à idade, é sempre a forma mais bonita de amar. Ao falar-  sores e educadores para  criarem espaços seguros  onde emo-
               mos da morte, estamos a falar da vida — a ensinar que o amor não   ções difíceis podem ser nomeadas e acolhidas. “Mais do que uma
               desaparece com a ausência física”.                      formação, trata-se de um espaço de escuta, partilha e cuidado
               “Fugir ao tema não é proteção”                          — onde se promove literacia do luto e fortalece-se o elo entre a
                                                                       criança, a escola e a família. Falar sobre o luto é um ato de cora-
               Com estes workshops, Patrícia Sousa pretende que pais, educa-  gem e, acima de tudo, de amor.
               dores e profissionais percebam que “fugir ao tema não é prote-
               ção”. O impacto destes workshops ultrapassa a teoria: trata-se   Cuidar  das  nossas  crianças  é  garantir  que,  mesmo  nas  perdas,
               de  partilhar  informação  e  ferramentas  para  que  possam  estar   elas se sintam seguras, compreendidas e amparadas”, assumiu
               presentes de forma real nas situações de perda. “Quero provo-  Patrícia Sousa, deixando o agradecimento à Biblioteca Lúcio
               car desconforto, porque é no desconforto que nasce a mudança.   Craveiro da Silva por ser “mensageira” desta mudança ao abrir as
               Quando encaramos a morte de frente, aprendemos a viver me-  portas para acolher este tema. “É urgente abrir espaço para falar
               lhor e ensinamos as crianças a crescer mais inteiras”, assegurou.   de luto com as crianças. Porque o silêncio pesa. E porque crescer
               Até porque, continuou a formadora, “ignorar o luto infantil não o   sem respostas não é proteção — é abandono”, alertou a forma-
               torna menos doloroso. Pelo contrário: quando não se dá espaço   dora, desafiando pais, educadores e profissionais a permitirem as
               para as crianças expressarem a dor da perda, pode-se estar a dei-  crianças “viver o processo em verdade, amor e presença — em vez
               xar marcas silenciosas que ecoam pela vida adulta.”     de em silêncio”.


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