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SAÚDE


                                       NO DIA MUNDIAL DO CANCRO DO PULMÃO,
                                       IMPORTA LEMBRAR: A INOVAÇÃO SÓ
               O                                                                  não só riscos clínicos evidentes como um profundo im-
                                       CONTA SE CHEGAR A TEMPO


                                       Dia Mundial do Cancro do Pulmão assinala-se a 1 de
                                       agosto, numa altura em que a oncologia pulmonar
                                                                                  pacto emocional.
                                       vive uma verdadeira revolução. A investigação trou-
                                       xe avanços significativos na medicina personalizada,
                                                                                  A situação agrava-se no caso dos doentes com mu-
                                       com terapias-alvo e imunoterapias a permitir ganhos
                                                                                  tações  raras, que beneficiariam particularmente  dos
                                       reais em eficácia e tolerabilidade. Contudo, esta ino-
                                                                                  avanços terapêuticos mais recentes. O número mais
                                       vação  perde  impacto  quando  não  chega  a  tempo  a
                                       quem dela precisa.
                                                                                  pública e institucional, dificultando ainda mais a criação
                                                                                  de massa crítica para reivindicar mudanças e soluções
                                                                                  que respondam às suas necessidades.
                                       Em Portugal, entre a aprovação europeia de um novo   reduzido de doentes nesta condição limita a visibilidade
                                       fármaco e a sua disponibilização efetiva aos doentes po-
                                       dem passar, em média, um a dois anos. No caso do can-  Neste cenário, a sociedade civil e as associações de
                                       cro do pulmão – uma doença muitas vezes diagnostica-  doentes têm um papel fundamental: informar, capacitar
                                       da em fases avançadas e com progressão rápida – este   e fazer ouvir a voz de quem vive com esta doença. Cam-
                                       é um tempo de espera que pode fazer toda a diferença.  panhas de sensibilização, pressão junto dos decisores
                                                                                  e  envolvimento  público  são  ferramentas  valiosas  para
                                       O processo não é fácil e existem muitos fatores em jogo,   promover uma mudança urgente e necessária. Iniciati-
                                       mas o desfecho, muitas vezes, é frustrante. O processo   vas como o podcast Novo Fôlego, da Pulmonale, contri-
                                       de avaliação e financiamento é longo, os recursos das   buem para esse movimento, ao democratizar o acesso
                                       agências reguladoras são limitados e os custos elevados   à informação e dar palco a especialistas e testemunhos
                                       dos novos tratamentos obrigam a ponderações difíceis.   que tornam visível uma realidade ainda pouco falada.
                                       A tudo isto somam-se as assimetrias internas, com deci-
                                       sões locais a criarem disparidades de acesso entre insti-  Para além da informação, existem soluções possíveis.
                                       tuições, mesmo dentro do próprio SNS. Esta desigual-  Os Programas de Acesso Precoce são um exemplo re-
                                       dade territorial é uma das faces mais visíveis da injustiça   levante, mas ainda demasiado restritivo. É fundamental
                                       no acesso à inovação.                      que se ponderem modelos de negociação conjunta,
                                                                                  por ventura, à escala europeia, que permitam reduzir os
                                       Naturalmente que a frustração também atinge os pro-  custos e acelerar a disponibilização dos tratamentos. E é
                                       fissionais de saúde, que lidam com a ansiedade dos   urgente reforçar os meios humanos e técnicos das en-
                                       doentes e, muitas vezes, com a sua própria impotência   tidades avaliadoras, para que o processo seja mais ágil,
                                       perante o desfasamento entre o que a ciência já permi-  sem comprometer o rigor.
                                       te e o que efetivamente está disponível. Temos também
                                       doentes que estão cada vez mais informados. Muitos   Apesar de tudo, há motivos para esperança. A trajetó-
                                       recorrem a plataformas digitais, contactam associações   ria da inovação é clara e promissora. Muitas instituições
                                       internacionais e chegam às consultas conscientes de   estão, de facto, disponíveis para o diálogo. O que falta é
                                       que poderiam beneficiar de fármacos já em uso noutros   tornar a inovação realmente acessível. Porque quando
                                       países. Com esta consciência, a falta de acesso acarreta   se trata de cancro do pulmão, o tempo não é um detalhe.
               David Araújo
               Pneumologista e professor convidado da
               Faculdade de Medicina da Universidade
               do Porto


























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