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ESPECIAL ENSINO






















































               “De facto, a presença da obra de Camões nos programas escolares é   lares italianos, cuja lecionação de Dante começa desde tenra idade e
               extensa,  comparando-se  à  presença  do  autor  Dante  nos  programas   se prolonga ao longo de toda a escolaridade obrigatória.
               escolares italianos, mas há uma pequena diferença: é que as crianças   Olhando para as práticas pedagógicas, o responsável apontou o dedo
               italianas começam a ouvir falar de Dante desde muito cedo e na escola   ao síndroma da cristalização dos professores, pelo “hábito do saber re-
               básica, com seis, sete anos, já têm uma noção de quem foi Dante e ou-  petido e práticas consolidadas”. “É pernicioso. É necessário rejuvenes-
               vem falar do autor até ao termo da escolaridade obrigatória”.  cer o nosso entusiasmo porque para falar de Camões tem de se ter o
               “Não têm existido nos últimos anos                     feito aceso”. Como antídotos aponta a “hospitalidade” - no sentido de
               transformações no ensino de Camões que                 os professores ensinarem a partir do ponto de vista dos alunos, numa
                                                                      lógica de acolhimento, degrau a degrau.
               acompanhem as transformações que se têm                “O que tem prevalecido é a perspetiva da descrição dos temas, do re-
               vivido na escola”                                      gisto estilístico, etc., descurando a interpretação – que é, a meu ver, o
                                                                      lado mais proveitoso que a Literatura tem: a interpretação é, sem dúvi-
               “Não têm existido nos últimos anos transformações no ensino de Ca-  da, a faculdade mais nobre que a espécie humana tem”, assinalou. “O
               mões que acompanhem as transformações que se têm vivido na es-  facto é que a perspetiva da descrição fica muito pouco. Mas interpretar
               cola”, asseverou Cardoso Bernardes, indicando que este deve ser um   exige tempo e é necessário levar em conta as interpretações que os
               motivo  de  reflexão.  Daí  que,  na  programação  das  Celebrações  dos   alunos fazem, o professor deve apenas afeiçoá-la porque dessas ten-
               500 anos do Nascimento de Camões esteja incluído um Congresso   tativas interpretativas é que fica o hábito de educar um cidadão crítico
               Internacional, agendado para o próximo mês de Novembro, dedicado   em relação à realidade que o circunda, pelo que, a este nível, a escola
               especialmente ao tema do Ensino de Camões.             não tem estado a cumprir a sua função, pois, tem optado pelo ensino
               O especialista põe em questão o facto de os alunos do 9.º e 10.º anos de   literário numa perspetiva mais descritivista”.
               escolaridade, jovens de 14 e 15 anos, serem “massivamente” expostos a   Apontando para o episódio de ‘Inês de Castro’, o professor Bernardes
               dois autores do século XVI como Gil Vicente e Camões, num programa   chama a atenção até para a “atualidade” do tema. “Inês foi vítima dos
               que ocupa mais de metade do ano letivo. “Esta exposição massiva en-  algozes, que eram cavaleiros e que a deveriam ter defendido. Também
               volve riscos? Deve continuar assim concentrada em dois anos ou deve   na atualidade vemos nas notícias diárias algozes que deveriam prote-
               entrar  num  registo  diferente  e  começar-se  a  falar  de  Camões  mais   ger vítimas inocentes. Isto é que é interpretar e é isto que é preciso en-
               cedo e acabar mais tarde?”, questiona, elogiando os programas esco-  sinar aos nossos alunos: ensinar a pensar criticamente”.

               #SIMatuaREVISTA                                   MAIO · 2025                                             93
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