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CRÓNICA


                                       LUTOS SEM ROSTO!
               V                       ivemos como se a dor só fosse legítima quando se   gar a tua experiência. E tu aprendes a esconder, a





                                                                                  engolir, a seguir em frente sem teres sequer para-
                                       encaixa  nas  tragédias  oficialmente  reconhecidas.
                                       Como se apenas a morte de um ente querido tivesse
                                                                                  do para te despedires. Se não nomeares a tua dor,
                                       “autorização” para nos despedaçar. Mas e os outros
                                                                                  ela não desaparece. Transforma-se. Numa irritação
                                                                                  constante. Numa tristeza que não entendes. Num
                                       lutos? E os silêncios que gritam? E as lágrimas que
                                       ninguém vê porque “não é nada de mais”?
                                                                                  vazio que consomes com distrações. Ou pior: num
                                       Sabias que vivemos 40 a 60 perdas ao longo da vida
                                                                                  que sentes. Como se fosses fraco. Dramático. Sen-
                                       e muitas delas podem transformar-se em processos
                                                                                  sível  demais.  É  urgente  pararmos  de  hierarquizar
                                       de luto? Perder um emprego pode arrancar-nos o   sentir de que tu é que estás errado por sentires o
                                                                                  sofrimentos. De medir dores com réguas invisíveis.
                                       chão. Terminar uma relação não oficial, mas onde se   O luto não precisa de certificado para ser real. Basta
                                       amou profundamente, pode deixar cicatrizes invisí-  que doa. E se dói, é legítimo. Ponto.
                                       veis. Mudar de casa, de cidade, de país, deixar para
                                       trás amigos, rotinas e lugares que foram lar — isso   O que nos salva, no fim, não são respostas rápidas
                                       também é uma perda. Pode mesmo ser uma dor ab-  nem soluções mágicas. É sermos vistos. Escutados.
                                       surda. Ter um diagnóstico de doença crónica. Per-  Validados.  Porque ninguém  devia  carregar  o seu
                                       der um animal de companhia que era família. Pas-  luto em segredo, como quem esconde uma fraque-
                                       sar para a reforma e sentir que se perde propósito,   za. O luto não é fraqueza — é consequência do amor,
                                       identidade. Mas raramente dizemos: “estou de luto”.   da ligação, da importância.
                                       Porque nos ensinaram que só choramos se alguém   Chega de silenciar as dores que não cabem nas eti-
                                       morrer. E mesmo assim, com data marcada para pa-  quetas. Vamos falar de luto por sonhos que não se
                                       rar.
                                                                                  concretizaram, por vidas que mudaram sem aviso,
                                       A  verdade?  Todos  nós  carregamos  lutos  escondi-  por versões de nós que já não existem. Vamos falar
                                       dos. Lutos sem flores, sem abraços, sem mensagens.   de tudo o que doeu e ainda dói. Porque todas essas
                                       Lutos  ignorados porque  não  cabem  nas  normas   perdas pedem luto. E todo luto pede amor.
                                       sociais.  E  por  isso,  doem  mais.  Doem  em  silêncio.   Valida o que sentes. Permite-te sentir. E, acima de
                                       Doem sozinhos. São dores sentidas, mas não vali-  tudo, dá nome à tua dor. Ela merece ser reconhe-
                                       dadas. São perdas que não se “podem” sofrer. E é   cida. Tu mereces ser reconhecido. Mesmo quando
                                       aí que nasce a ferida mais profunda: a do abandono   não  há  funeral.  Mesmo  quando  a  perda  não  tem
                                       emocional.
                                                                                  nome. Dar nome à dor é dar-lhe espaço. É dizer ao
               Patrícia Sousa          Quando te dizem “isso passa” ou “há coisas piores”,   mundo (e a ti mesmo): “Isto importa. Eu importo”. O
               O AMOR SUPERA TUDO      não estão a consolar. Estão a diminuir. Estão a apa-  teu luto importa. Tu importas.
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               Literacia do luto - Sessões de Informação
               Storyteller de Histórias de Vida de
               Pessoas Especiais que já Morreram
               Guia do Caminho de Santiago
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