Page 12 - SIM 304
P. 12

ENTREVISTA


                 Quando pensa em Guimarães o que lhe vem                                  Como seria expectável, não foi fácil o início
               à cabeça?                                                                 da sua nova vida. No meio desse tanto, os seus
                                                                                         pais tiveram de hipotecar a casa para pagar o
                 Nasci mesmo no centro de Guimarães. Tenho                               seu sustento. O que sente quando recorda esse
               um carinho enorme por esta cidade. A imagem                               período?
               que tenho é estar perante pessoas incríveis, gen-
               te carinhosa, de braços abertos. Gostei muito de   Não sou mulher de desistir.   Antes de tudo foi admirável a coragem dos
               lá viver porque o centro de Guimarães, não é um                           meus pais. Nós estávamos muito longe de ser-
               centro  qualquer. Tem um encanto  muito  espe-  Nunca fui em nada, tanto   mos ricos. Primeiro fui fazer as provas para quatro
               cial. Tenho memórias muito bonitas do tempo   no meu trabalho como na     escolas. Na altura, era tudo presencial. Entrei na
               que aqui vivi. No meu tempo, a cidade era como                            Guildhall que era a que eu queria. O diretor gos-
               se fosse um conto de fadas, onde toda a gente se  vida pessoal. Se meto uma   tou tanto que tive direito a uma bolsa de estudo
               conhecia, onde podia ir à janela e dizer olá à pa-  coisa na cabeça, é muito   para pagar as propinas. Sem isso, era impossível
               deira da rua da frente. Havia muito comércio tra-                         lá viver. É neste momento que entra ao “barulho”
               dicional, com vários negócios de família. Os meus  complicado tirar-me desse   os meus pais com a hipoteca da casa no sentido
               pais e os meus avós, conheciam toda a gente. Era   foco. E foi assim que fui   de ter fundos suficientes para ir para lá estudar. Se
               como uma grande família. Esse tempo deixa sau-  vencendo.                 não tivessem feito isso, seria uma total quebra…
               dades.
                                                                                          Estudar, trabalhar e sem grandes luxos na co-
                 O apelido “Escobar” provoca alguma curiosi-                             mida…
               dade…
                                                                                          Verdade.  Arroz  com  ervilhas,  latas  de atum,
                 Nada  tem  a  ver  com  a  Colômbia  (risos).  Eu   Estar longe dos grandes centros não foi im-  chocolates. Faço barato! (risos). Para além disso,
               costumo brincar porque se tivesse a ver com a   peditivo para ir atrás do sonho…  o empréstimo só cobria dois anos e o curso era
               Colômbia talvez tivesse uns tesouros enterrados.                          de quatro. Não fazia a mínima ideia como me iria
               O nome, da parte do meu pai que nasceu em An-  É verdade. O meu primeiro passo foi o teatro.   safar.
               gola, vem de um descobridor português Pêro Es-  Aconteceu porque eu era muito tímida e o meu
               cobar que descobriu as ilhas de São Tomé, Ano-  pai, que sempre gostou de teatro, achou uma excelen-  Para além da responsabilidade que tinha nas
               -Bom e Príncipe (século XV). Como pode deduzir,   te solução para tentar vencer a timidez. O que não es-  costas em não poder falhar, sentiu, por algum
               é outra linhagem (risos). Mais pobre, mas mais   perava é que me apaixonasse desta forma. Aconteceu   momento que seja, desespero?
               honesta.                             no Círculo de Arte e Recreio. Depois abriu o Teatro Ofi-
                                                    cina, também em Guimarães. O que se passou é que,   (Pausa)…muita coisa na minha vida aconteceu
                 Em menina esteve ligada aos escuteiros. A li-  junto a esse teatro, havia uma Academia de Música.   de forma que eu hoje não acredito em coincidên-
               gação à terra é um elo que preserva?  Ia para os ensaios e começo a ouvir e ver o que acon-  cias. Nós temos de fazer para as coisas acontecer,
                                                    tecia do outro lado (risos)…e comecei a ter uma certa
                 Já estávamos a viver em Pencelo quando en-  tendência a colar-me um bocadinho à Academia de   mas, por vezes, temos de “dar um salto de fé”,
               trei para os escuteiros. Fui para esta aldeia com   Música. Como cantava no teatro, pensei que podia ser   sem garantias de nada. Foi o que me aconteceu.
               seis anos. Também tenho memórias fantásticas   bom ter aulas de canto.    A meio do segundo ano do curso, vi um anúncio
               desse tempo. Foram valores que nunca esqueci,                             (audição aberta), para a personagem Christine de
               o respeito pela natureza, o trabalho em equipa, os   A timidez ficou diluída?  “O Fantasma da Ópera”, e decidi tentar a minha
               amigos…o acampamento era a melhor coisa do                                sorte. Fui totalmente relaxada mesmo sabendo
               mundo. O gosto pela terra que ainda hoje mante-  Isso foi um trabalho duro. Depois passei para o Con-  que era o sonho de uma vida. Fui às escondidas
               nho. Acho que ainda sei fazer “nós” que aprendi   servatório de Música do Porto e, confesso, tive muitos   porque nem era permitido pela escola. Tipo a re-
               nos escuteiros (risos).              problemas com o palco. Não nos dávamos muito bem   belde. No entanto, a coisa começou a ficar séria
                                                    (risos). Tinha um medo tremendo. Sempre que tinha   quando comecei a receber chamadas para no-
                 Quando entra a música na sua vida?  de cantar em público, ficava doente. A nossa cabeça é   vas audições. Quando já ía em oito audições…se
                                                    um órgão muito poderoso. Era duro…ficava com farin-  calhar até estão a gostar de mim (risos). Aí come-
                 Não sei precisar porque acho que esteve sem-  gites, amigdalites…foi um processo complicado.   çou a coisa a ficar mais séria. Lá tive de contar à
               pre presente em mim. Foi algo tão natural desde o                         minha professora de canto – à espera que levasse
               início. Sempre tive predisposta. Os meus pais gos-  A palavra desistir foi equacionada?  nas orelhas – e recebi carinho. Começamos logo
               tavam de música e de irem ao teatro. Quando dei                           a trabalhar. Ajudou-me tremendamente. Nunca
               conta, a minha brincadeira era por as minhas bo-  Não. Não sou mulher de desistir. Nunca fui em nada,   houve desespero pelo que contei e por ter tido
               necas em fila e dar concertos (risos). Talvez aí já co-  tanto no meu trabalho como na vida pessoal. Se meto   perto de mim as pessoas certas.
               meçasse a ter ideia de não me imaginar a viver sem   uma coisa na cabeça, é muito complicado tirar-me
               música e sem teatro. No entanto, só aceitei mesmo   desse foco. E foi assim que fui vencendo. Passo a pas-  Como geriu a “menina” de Guimarães a en-
               quando me vi confrontada com uma escolha. Na   so. Hoje não imagino ter outra vida.  trada triunfal no musical “O Fantasma da Ópe-
               altura das escolhas escolares, não me identificava                        ra” de Andrew Lloyd Webber?
               com nada. Tudo me parecia um plano B.  Foi essa força que a levou para Inglaterra?
                                                     Foi um trabalho de equipa. Nunca teria chegado   Foi um sonho concretizado. Belo e mágico. A
                                                    onde cheguei, ter a vida que felizmente tenho a sorte   entrada neste musical salvou-me a vida porque
                                                    de fazer, sem o apoio dos meus pais. É importante lem-  comecei a ensaiar em agosto (a receber) e eu tive
                                                    brar que, no meu tempo, numa cidade pequena, que-  de começar a pagar o meu empréstimo em se-
                                                    rer ser artista era um bocadinho tabu. A própria família,   tembro. Por isso é que digo que não acredito em
                                                    pelo melhor certamente, lançava muitas interroga-  coincidências. Temos de perseguir o nosso instin-
                                                    ções quando fui sozinha com 19 anos para Inglaterra.   to. Nessa altura, tinha a certeza que era aquilo que
                                                    Era uma preocupação real. Tive a sorte dos meus pais   tinha de fazer, isto é, ir para Londres, estudar…eu
                                                    perceberem que eu não seria feliz se me tivessem for-  nem consigo explicar bem…sei que era uma coisa
                                                    çado a fazer qualquer outra coisa. Fui muito casmurra.   que estava “debaixo da pele”. Não dava para ser
                                                    Fui muito clara ao dizer-lhes que não seria feliz de outra   de outra forma. Entre estudar e trabalhar, estive
                                                    forma.                               nove anos.

               12                                               MARÇO · 2025                                 #SIMatuaREVISTA
   7   8   9   10   11   12   13   14   15   16   17