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ENTREVISTA
Quando pensa em Guimarães o que lhe vem Como seria expectável, não foi fácil o início
à cabeça? da sua nova vida. No meio desse tanto, os seus
pais tiveram de hipotecar a casa para pagar o
Nasci mesmo no centro de Guimarães. Tenho seu sustento. O que sente quando recorda esse
um carinho enorme por esta cidade. A imagem período?
que tenho é estar perante pessoas incríveis, gen-
te carinhosa, de braços abertos. Gostei muito de Não sou mulher de desistir. Antes de tudo foi admirável a coragem dos
lá viver porque o centro de Guimarães, não é um meus pais. Nós estávamos muito longe de ser-
centro qualquer. Tem um encanto muito espe- Nunca fui em nada, tanto mos ricos. Primeiro fui fazer as provas para quatro
cial. Tenho memórias muito bonitas do tempo no meu trabalho como na escolas. Na altura, era tudo presencial. Entrei na
que aqui vivi. No meu tempo, a cidade era como Guildhall que era a que eu queria. O diretor gos-
se fosse um conto de fadas, onde toda a gente se vida pessoal. Se meto uma tou tanto que tive direito a uma bolsa de estudo
conhecia, onde podia ir à janela e dizer olá à pa- coisa na cabeça, é muito para pagar as propinas. Sem isso, era impossível
deira da rua da frente. Havia muito comércio tra- lá viver. É neste momento que entra ao “barulho”
dicional, com vários negócios de família. Os meus complicado tirar-me desse os meus pais com a hipoteca da casa no sentido
pais e os meus avós, conheciam toda a gente. Era foco. E foi assim que fui de ter fundos suficientes para ir para lá estudar. Se
como uma grande família. Esse tempo deixa sau- vencendo. não tivessem feito isso, seria uma total quebra…
dades.
Estudar, trabalhar e sem grandes luxos na co-
O apelido “Escobar” provoca alguma curiosi- mida…
dade…
Verdade. Arroz com ervilhas, latas de atum,
Nada tem a ver com a Colômbia (risos). Eu Estar longe dos grandes centros não foi im- chocolates. Faço barato! (risos). Para além disso,
costumo brincar porque se tivesse a ver com a peditivo para ir atrás do sonho… o empréstimo só cobria dois anos e o curso era
Colômbia talvez tivesse uns tesouros enterrados. de quatro. Não fazia a mínima ideia como me iria
O nome, da parte do meu pai que nasceu em An- É verdade. O meu primeiro passo foi o teatro. safar.
gola, vem de um descobridor português Pêro Es- Aconteceu porque eu era muito tímida e o meu
cobar que descobriu as ilhas de São Tomé, Ano- pai, que sempre gostou de teatro, achou uma excelen- Para além da responsabilidade que tinha nas
-Bom e Príncipe (século XV). Como pode deduzir, te solução para tentar vencer a timidez. O que não es- costas em não poder falhar, sentiu, por algum
é outra linhagem (risos). Mais pobre, mas mais perava é que me apaixonasse desta forma. Aconteceu momento que seja, desespero?
honesta. no Círculo de Arte e Recreio. Depois abriu o Teatro Ofi-
cina, também em Guimarães. O que se passou é que, (Pausa)…muita coisa na minha vida aconteceu
Em menina esteve ligada aos escuteiros. A li- junto a esse teatro, havia uma Academia de Música. de forma que eu hoje não acredito em coincidên-
gação à terra é um elo que preserva? Ia para os ensaios e começo a ouvir e ver o que acon- cias. Nós temos de fazer para as coisas acontecer,
tecia do outro lado (risos)…e comecei a ter uma certa
Já estávamos a viver em Pencelo quando en- tendência a colar-me um bocadinho à Academia de mas, por vezes, temos de “dar um salto de fé”,
trei para os escuteiros. Fui para esta aldeia com Música. Como cantava no teatro, pensei que podia ser sem garantias de nada. Foi o que me aconteceu.
seis anos. Também tenho memórias fantásticas bom ter aulas de canto. A meio do segundo ano do curso, vi um anúncio
desse tempo. Foram valores que nunca esqueci, (audição aberta), para a personagem Christine de
o respeito pela natureza, o trabalho em equipa, os A timidez ficou diluída? “O Fantasma da Ópera”, e decidi tentar a minha
amigos…o acampamento era a melhor coisa do sorte. Fui totalmente relaxada mesmo sabendo
mundo. O gosto pela terra que ainda hoje mante- Isso foi um trabalho duro. Depois passei para o Con- que era o sonho de uma vida. Fui às escondidas
nho. Acho que ainda sei fazer “nós” que aprendi servatório de Música do Porto e, confesso, tive muitos porque nem era permitido pela escola. Tipo a re-
nos escuteiros (risos). problemas com o palco. Não nos dávamos muito bem belde. No entanto, a coisa começou a ficar séria
(risos). Tinha um medo tremendo. Sempre que tinha quando comecei a receber chamadas para no-
Quando entra a música na sua vida? de cantar em público, ficava doente. A nossa cabeça é vas audições. Quando já ía em oito audições…se
um órgão muito poderoso. Era duro…ficava com farin- calhar até estão a gostar de mim (risos). Aí come-
Não sei precisar porque acho que esteve sem- gites, amigdalites…foi um processo complicado. çou a coisa a ficar mais séria. Lá tive de contar à
pre presente em mim. Foi algo tão natural desde o minha professora de canto – à espera que levasse
início. Sempre tive predisposta. Os meus pais gos- A palavra desistir foi equacionada? nas orelhas – e recebi carinho. Começamos logo
tavam de música e de irem ao teatro. Quando dei a trabalhar. Ajudou-me tremendamente. Nunca
conta, a minha brincadeira era por as minhas bo- Não. Não sou mulher de desistir. Nunca fui em nada, houve desespero pelo que contei e por ter tido
necas em fila e dar concertos (risos). Talvez aí já co- tanto no meu trabalho como na vida pessoal. Se meto perto de mim as pessoas certas.
meçasse a ter ideia de não me imaginar a viver sem uma coisa na cabeça, é muito complicado tirar-me
música e sem teatro. No entanto, só aceitei mesmo desse foco. E foi assim que fui vencendo. Passo a pas- Como geriu a “menina” de Guimarães a en-
quando me vi confrontada com uma escolha. Na so. Hoje não imagino ter outra vida. trada triunfal no musical “O Fantasma da Ópe-
altura das escolhas escolares, não me identificava ra” de Andrew Lloyd Webber?
com nada. Tudo me parecia um plano B. Foi essa força que a levou para Inglaterra?
Foi um trabalho de equipa. Nunca teria chegado Foi um sonho concretizado. Belo e mágico. A
onde cheguei, ter a vida que felizmente tenho a sorte entrada neste musical salvou-me a vida porque
de fazer, sem o apoio dos meus pais. É importante lem- comecei a ensaiar em agosto (a receber) e eu tive
brar que, no meu tempo, numa cidade pequena, que- de começar a pagar o meu empréstimo em se-
rer ser artista era um bocadinho tabu. A própria família, tembro. Por isso é que digo que não acredito em
pelo melhor certamente, lançava muitas interroga- coincidências. Temos de perseguir o nosso instin-
ções quando fui sozinha com 19 anos para Inglaterra. to. Nessa altura, tinha a certeza que era aquilo que
Era uma preocupação real. Tive a sorte dos meus pais tinha de fazer, isto é, ir para Londres, estudar…eu
perceberem que eu não seria feliz se me tivessem for- nem consigo explicar bem…sei que era uma coisa
çado a fazer qualquer outra coisa. Fui muito casmurra. que estava “debaixo da pele”. Não dava para ser
Fui muito clara ao dizer-lhes que não seria feliz de outra de outra forma. Entre estudar e trabalhar, estive
forma. nove anos.
12 MARÇO · 2025 #SIMatuaREVISTA