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CULTURA
               UMA EXPOSIÇÃO INÉDITA



               INTERROGA O “PRIMITIVISMO” A


               PARTIR DE PORTUGAL, NO CIAJG

              P          roblemas  do  Primitivismo  –  a                                mulher  negra  se  tornou  imagem  de  cosmo-


                                                                                         politismo,  paradoxalmente  reforçando,  e  ao
                         partir de Portugal” é o título da
                                                                                         mesmo  tempo  combatendo,  estereótipos
                         próxima  exposição  do  CIAJG  -
                                                                                         racistas e machistas. “Extração” traz a relação
                         Centro  Internacional  das  Artes
                         José  de  Guimarães,  um museu
                                                                                         exploração das terras e das pessoas, hoje de
                         que  se quer  pensar a si mesmo                                 entre  o período  colonial  e o atual  quanto à
               e propõe sentidos críticos sobre o passado a                              proporções  alarmantes,  devido  ao  esgota-
               partir do presente.                                                       mento dos  recursos naturais  e à concentra-
                                                                                         ção desses recursos e de mão de obra barata
               Com inauguração marcada para 18 de maio,                                  no Sul Global. O núcleo “Extração” convoca
               às 17h00, a exposição aborda os contextos da                              o trabalho dos artistas contemporâneos Uriel
               ditadura, da colonização, do anticolonialismo                             Orlow, Ilídio Candja Candja, Elo Veja e Roge-
               e do  pós-colonialismo,  e problematiza  a in-                            lio López Cuenca e Ludgero Almeida, que es-
               venção do «primitivo» e a sua persistência até                            tabelecem um diálogo passado-presente que
               à contemporaneidade. Fá-lo através de uma                                 mostra persistências e ecos dos problemas do
               montagem  expositiva  experimental,  que  dá                              primitivismo no presente.
               a  ver  uma  “máquina  visual”  impregnada  de
               imagens e referências artísticas e culturais.                              Através das seis palavras-chave, dá-se a ver,
                                                                                         não  uma cronologia  fixa,  mas  percursos  e
                De cunho investigativo e sem pretensão de                                correlações  diagramáticas,  fluxos, tensões  e
               esgotar o assunto, a proposta curatorial con-                             sinapses entre textos e imagens, bem como
               voca todo o museu para uma abordagem crí-                                 a interação entre «alta» cultura e cultura de
               tica através de uma polifonia de várias vozes                             massas,  entre  a história,  a história  da  arte, a
               e participantes. Mais de setenta artistas, auto-                          política,  a  antropologia  e a  economia,  bem
               ras e autores, de diversas proveniências e ins-                           como a estrutura ideológica, social e cultural
               crições culturais, colaboram nesta exposição                              sobre a qual assentou a disseminação de uma
               com  obras  de  arte,  originais  e reproduções,                          visualidade  intensa  relacionada  com  a  ideia
               textos e citações.
                                                                                         de «primitivo».
               Com curadoria de Mariana Pinto dos Santos e                                “Problemas do Primitivismo – a partir de Por-
               Marta Mestre, “Problemas do Primitivismo – a   na colonização. Esta exposição procura mos-  tugal” recorre a uma lista extensa de artistas,
               partir de Portugal” é uma exposição que re-  trar como os três termos interligados moder-  autores e autoras, como António Areal, Amí-
               sulta de um mergulho em arquivos e coleções   nismo-primitivismo-colonialismo operaram a   lcar Cabral, Diogo de Macedo, Vera Mantero,
               portuguesas e que incorpora muitas perspe-  partir  do contexto  português,  sem descurar   Maria Archer, Almada Negreiros, Ernesto de
               tivas e pesquisas recentes, na área da história   outras valências do termo primitivismo.”  Seis   Sousa, José de Guimarães, Amadeo de Sou-
               e  crítica  da  arte,  antropologia,  museoglogia,   palavras-chave,  permeáveis  entre si,  orga-  za-Cardoso,  Cruzeiro  Seixas,  Franklin  Vilas
               etc.                                 nizam os diversos espaços da exposição que
                                                    ocupa  três  pisos  no  CIAJG:  “Civilização”,   Boas, Oswald de Andrade, Júlio Reis Pereira,
                Para Marta Mestre, diretora artística do mu-  “Museu”, “Ingénuo”, “Mar Português”, “Jazz-  Achille Mbembe, Aimé Césaire Malangatana,
               seu  e  cocuradora  da  exposição:  “o  CIAJG   -Band” e “Extração”.      Maria  Keil,  Felwine  Sarr  e Bénédicte Savoy,
               quer ocupar um lugar de referência nos de-                                Marlene Monteiro Freitas, Mário Domingues,
               bates  sobre  o  futuro  dos  museus,  incorpo-  “Civilização”  refere-se  à  distinção entre  «ci-  Mário Cesariny, Milly Possoz, Rosa Ramalho,
               rando  sentidos  críticos  nas  exposições  que   vilização»  e «barbárie»,  ou «primitivo»,  que   Tarsila do Amaral, entre outros.
               realiza. Esta exposição analisa o primitivismo   estabeleceu  uma  hierarquia  entre  povos,   Participam  também  vários  arquivos  e mu-
               num tempo-espaço amplo e situado. Se, para   argumentando-se  que  a  Europa  teria  uma   seus nacionais através da cedência de obras,
               a modernidade, o primitivismo cumpriu a fun-  suposta  «missão  civilizadora»  que  serviu  de   imagens  e  documentos,  como  a  coleção  da
               ção  de  espelho  invertido  do  racionalismo,  e   justificação para ocupar, explorar, extrair, pi-  Fundação  Millenium  BCP, a Biblioteca  de
               gerou  uma  utopia  sobre  as  origens  e  sobre   lhar.  “Museu”  aponta  para  algumas  histórias   Arte  Gulbenkian,  a  Fundação  Cupertino  de
               outras culturas que não a europeia, essa ope-  materiais  em  torno  de  museus  portugueses   Miranda,  a  Diamang  Digital  –  Universidade
               ração  produziu  uma  desigualdade,  posicio-  e exposições. “Ingénuo” diz respeito à asso-  de Coimbra, a Casa Comum/Fundação Mário
               nando-as à distância.”               ciação da arte popular e da arte africana ao
                                                    ingénuo ou ao infantil, com um sentido pejo-  Soares  e  Maria  Barroso,  a  BLX-Hemeroteca
                Segundo Mariana Pinto dos Santos, cocura-  rativo que as primeiras vanguardas do século   Municipal  de  Lisboa,  a  Sociedade  Martins
               dora da exposição, investigadora do Instituto   XX tornaram positivo. “Mar Português” alude   Sarmento, entre outros.
               de  História  da  Arte:  “esta  é uma  exposição-  ao imaginário primitivista exótico de lugares   A  concretização desta  exposição  contou
               -montagem com material visual sobretudo da   e culturas distantes, quer em contexto colo-  com o apoio da Fundação Millennium BCP e
               história do século XX em Portugal, posto em   nialista e celebratório – como em exposições   a parceria do Instituto de História da Arte da
               diálogo  e tensão  com  uma  história  cultural,   de  propaganda  do  império  –,  quer  denun-  Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
               política e artística mais vasta. Aborda o pro-  ciando  o colonialismo.  “Jazz-Band”  aborda   Universidade  NOVA de Lisboa  (IHA -NOVA
               blemático termo “primitivismo”, presente nas   a conquista do espaço da modernidade por   FCSH /IN2PAST).
               práticas artísticas e nas narrativas da moder-  corpos negros, considerando que a figura da
               nidade, mas que assenta, em grande medida,

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