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SAÚDE
PAIS (DES)INFORMADOS:
NEM TUDO O QUE PARECE É
V ivemos em pleno século XXI e cada vez mais a geração de Na área da Terapia da Fala assistimos neste momento a al-
gumas temáticas fortemente abordadas, mas nem sempre
pais dos anos 80/90 são pais com formação superior, com
relativa facilidade no acesso à informação e à saúde. No
com a maior evidência científica. Refiro-me aos freios lin-
entanto, continuamos a assistir a pais que, por um lado,
guais, tipos de chupetas e consultas hiper mega divertidas.
procuram antecipar o desenvolvimento infantil, gerando
Cientificamente, está bem descrito que os freios curtos
comportamentos ansiogénicos, tentando que os seus fi-
prejudicam a amamentação, o desenvolvimento da fala
lhos sejam “melhores” do que eles foram e, por outro lado,
pais que desvalorizam as etapas cruciais de desempenho,
casos têm indicação cirúrgica no imediato e torna-se fun-
agindo com passividade, justificando que a criança ainda é
damental avaliar cada caso, em equipa, e decidir a direção
pequena ou tem tempo. e o crescimento craniofacial, mas nem sempre todos os
a seguir. Quanto ao tipo de chupeta, qualquer uma pode
As nossas crianças têm cada vez menos tempo para o brin- levantar questões miofuncionais e de fala, porém se for
car e estão carregadas de atividades extra curriculares que usada de forma q.b. e retirada em tempo útil, será uma for-
ocupam o horário diurno para que os pais possam traba- te ajuda para os pais em forma de regulação. Voltamos à
lhar até mais tarde. Por outro lado, estes pequenos passam velha questão, nem sempre nem nunca.
mais tempo em ecrãs e menos tempo ao ar livre que impe- Quanto às redes sociais nem sempre revelam, inequivoca-
de a criança de explorar o corpo, os sentidos e a sua mo- mente, tal e qual é. As consultas de Terapia da Fala devem
tricidade global e fina. Se procurarmos na internet, numa ser pensadas no sentido de cativar a criança para obter o
livraria, podcast ou um artigo todos remetem para o mes- máximo de colaboração dela, mas deve pressupor um ra-
mo. Temos de deixar as crianças brincar, temos de ter tem- ciocínio clínico, que permita definir objetivos terapêuticos,
po de qualidade para com a criança... tempo de qualidade visando o sucesso e eficiência da intervenção. A criança
não significa uma tarde livre, mas sim 30 minutos em que pode gostar muito da consulta e do Terapeuta, mas temos
se monta um puzzle, em que se lê uma história, em que os todo um desenvolvimento a decorrer e por isso, quanto
pais não pegam no telemóvel para fazer um scroll nas re- mais demorar, maior será o desfasamento. Por fim, o papel
des sociais. Antigamente, isto não se colocava porque as da família, é fundamental, porque uma família comprome-
crianças brincavam ao ar livre, tinham tempo e exploravam tida, que mantenha as orientações, que tente, tornará todo
o mundo em redor.
o processo terapêutico rápido e eficaz... no final de tudo
Em boa verdade, também temos a explosão das redes so- quem ganha é a criança.
ciais no dia a dia de todos. De fato, elas são importantes no
acesso à informação, mas tudo com peso e medida. A me- Temos pais mais INFORMADOS?
lhor chupeta, a melhor papa, o melhor livro,... nem sempre
é verdade o que se escreve e a fiabilidade de quem escre-
ve.
Dra. Raquel Martins
Terapeuta da Fala
Centro Pediátrico de Guimarães
Pós-Graduada em Motricidade Orofacial
e Sensibilidade Orofacial
Pós-Graduada em Disfagias Orofaríngeas
Especializada em Motricidade Orofacial,
Dificuldades de Aprendizagem e
Processamento Auditivo Central
64 MARÇO · 2024 #SIMatuaREVISTA