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CULTURA
A HUMANIDADE DANÇA EM GUIMARÃES
DE 1 A 10 DE FEVEREIRO
Texto: CCVF. Fotos: Andrej Uspenski e Rui Soares
A 13ª edição do GUIdance – Fes-
tival Internacional de Dança
Contemporânea emerge de 1
a 10 de fevereiro, em Guima-
rães. Através do corpo, e num
mundo que se deseja mais tolerante e empá-
tico, a dança consubstanciada por espetácu-
los de Victor Hugo Pontes, Panaibra Gabriel
Canda, Gio Lourenço, Wayne McGregor, Bea-
triz Valentim, Piny, Gaya de Medeiros, Shim-
mering Production, Diana Niepce, e Tjimur
Dance Theatre, proporciona-nos uma viagem
por outras culturas e identidades, encorpando
um programa que amplia o nosso olhar sobre
a natureza humana. A edição de 2024 do fes-
tival propõe assim uma experiência sensorial,
imersiva e transformadora, cuja força criado-
ra e misteriosa nos apela a fazer parte da sua
existência.
“Ao chegar às 13 edições, o GUIdance vai pro-
curar exercitar uma vivência tão larga quanto
possível, respirada pelo ar dos tempos que atra-
vessamos. O colosso do corpo emancipado pela ro); “Boca Fala Tropa” de Gio Lourenço, criador não formatados.
potência artística, cultural e espiritual enquanto e performer nascido em Angola e com vivência
canal de processamento das transformações em Portugal (3 fevereiro); e “.G rito” da criadora e Virando o foco para outras coordenadas do
civilizacionais em curso. Que é como quem diz, intérprete Piny, nascida em Lisboa e com ascen- nosso globo, nomeadamente a Ásia, surge-nos
devolver-lhe o lugar de presença e incentivar a dência portuguesa e angolana (7 fevereiro). a oportunidade de abraçar as estreias nacio-
renovação do seu lugar de existência, através nais de duas criações provindas de Taiwan. No
da diferença humana, grandiosa e radiante, tal O espetáculo “Time and Space: The Marraben- espetáculo “bulabulay mun?” (10 fevereiro),
como a desejamos.”, assume Rui Torrinha, res- ta Solos” explora uma crise de identidade, des- os Tjimur Dance Theatre – o primeiro grupo de
ponsável pela direção artística do GUIdance. construindo representações culturais de um dança profissional de Taiwan que se concentra
corpo africano “puro”, em particular o corpo no povo Paiwan contemporâneo, fundado pelo
Assim, de 1 a 10 de fevereiro de 2024, o GUIdan- moçambicano, trazendo-nos ao presente, con- diretor artístico Ljuzem Madiljin, em 2006, com
ce vive com 10 espetáculos e atividades para- frontando-nos com um corpo plural e pós-colo- Baru Madiljin como diretor de dança e coreógra-
lelas em vários palcos da cidade de Guimarães nial que absorveu os ideais do nacionalismo, da fo – reconstroem uma batalha histórica que foi
como o Centro Cultural Vila Flor (CCVF), o Cen- modernidade, do socialismo e da liberdade de esquecida com o passar do tempo, conhecida
tro Internacional das Artes José de Guimarães expressão, refletindo a fragmentação do país, as como o “Incidente Mudan de 1987”, com envol-
(CIAJG) e o Teatro Jordão (TJ). biografias, os anseios, num solo acompanhado vência militar japonesa. Caminham como solda-
pelo virtuoso guitarrista Jorge Domingos que dos que marcham para a guerra, com os ritmos
Tudo começa na quinta-feira, 1 de fevereiro, com
holofotes virados para o espetáculo “Bantu”, de explora a música Marrabenta – nascida na déca- de baladas antigas, gritando para o céu e para a
Victor Hugo Pontes, coproduzido pelo CCVF/A da de 1950 a partir de uma mistura de influên- terra, numa forma de enviar saudações aos espí-
Oficina. Resultado de um convite endereçado a cias moçambicanas e europeias. Já “Boca Fala ritos antigos, às pessoas que vivem atualmente
Victor Hugo Pontes pelos Estúdios Victor Cór- Tropa” convida-nos a um itinerário biográfico na tribo Mudan e até mesmo ao povo japonês,
don e pelo Camões - Centro Cultural Português onde o corpo se torna uma alegoria da memó- num sentimento de unidade e união, porque so-
em Maputo, “Bantu” reúne um elenco de baila- ria, a partir de um corpo a vários tempos e ten- mos mais fortes quando permanecemos juntos.
rinos portugueses e moçambicanos. A celebrar do como base os movimentos do Kuduro, que Também originária de Taiwan é a criação “Beings”
20 anos de carreira, o coreógrafo utiliza a lingua- surge nos anos 90, em Luanda, no contexto de (9 fevereiro), coreografada e interpretada por
gem universal da dança para criar pontes entre uma guerra civil. Quando chegarmos a “.G rito”, Yeu-Kwn Wang, fundador da Shimmering Pro-
Portugal e Moçambique, dois países com afini- vamos aperceber-nos como a nossa ancestra- duction, criador que recentemente recebeu três
dades complexas e memórias comuns, na busca lidade é futuro e presente, existindo aqui uma prêmios na 27ª Yokohama Dance Collection no
da utopia de que somos todos o mesmo povo. anulação do tempo linear, do espaço concreto, Japão, tornando-se o primeiro coreógrafo taiwa-
num grito dado numa narrativa desalinhada mas
No GUIdance 2024, a presença e influência precisa, sem geografia mas com as geografias nês a realizar essa conquista. “Beings”, espetá-
africanas sentem-se também nos espetáculos das histórias das intérpretes e cocriadoras deste culo apresentado no Aerowaves Spring Forward
“Time and Space: The Marrabenta Solos”, de espetáculo, cujos corpos são políticos, celebram, 2022, encontra inspiração no caractere chinês
Panaibra Gabriel Canda, coreógrafo e bailarino desejam, revoltam-se, amam-se, protestam. São “人” (pessoa), explorando os laços que ligam pro-
nascido em Moçambique, sendo hoje um dos corpos trabalho, corpos violentos, corpos poéti- fundamente os seus dois intérpretes num due-
coreógrafos mais influentes de África (2 feverei- cos, corpos prazer. Corpos não conformados e to emocionante que culmina numa reviravolta
inesperada.
84 DEZEMBRO · 2023 #SIMatuaREVISTA