Page 22 - SIM 287
P. 22
ESPECIAL
IGAL SARNA
O escritor israelita que escolheu Cerveira como casa
D urante a infância, viu o seu país em A vida em Candemil, Vila Nova de Cerveira é calma. Fernando Pessoa, a Lídia Jorge ou o José Saramago”,
constantes batalhas, combateu em
“Sinto-me bem aqui fisicamente e, para qualquer caso,
assegura. O livro pode ser, para já, encontrado em in-
temos uma enfermeira na aldeia o que foi algo que me
duas guerras. Escritor e jornalista,
glês na plataforma Amazon.
Igal Sarna combateu a corrupção
surpreendeu. Criei uma forte ligação às pessoas da
a vida toda, mas foi ‘silenciado’ por
jornalista e escritor, que fugiu de seu país, aos 65 anos,
Netanyahu, esse mesmo, o primei- aldeia, parece que sempre fizeram parte de mim, da Em relação ao livro, Igal diz que é sobre “um homem,
minha vida. É disso que falo no livro, delas e das suas
ro ministro israelita, principal visado pelos seus tex- relações pessoais e familiares, como eu as vejo. Acredi- mas não porque se aposentou da escrita só porque
entrou em colisão com o primeiro ministro de Israel,
tos. Através de um processo judicial de suposta di- to que os portugueses vão ter curiosidade para saber o Benjamin Netanyahu. E encontra abrigo em Cerveira,
famação à esposa, foi despedido e arrastado para a que um estrangeiro como eu pensa deles”, refere Igal. depois de se apaixonar pelo Caminho [de Santiago] e,
única porta de saída: sair do país. À hora que falámos Uma das coisas que mais surpreendeu o escritor e jor- mais tarde, pelas pessoas. Continua a entrevistar os lo-
com ele, ainda não tinha rebentado o conflito que nalista é a relação intergeracional que encontrou nas cais como fazia em Israel, a escrever sobre as suas vidas
agora nos está a entrar pela televisão e não parece famílias. “É incrível ver a relação que há entre avós e e as sensações que a vida da aldeia no Norte de Por-
ter fim à vista. No entanto, já no dia da entrevista netos, como falam deles com saudade, as memórias tugal lhe dão. Não é um refugiado, mas uma espécie
defendia ser pacifista, acima de qualquer coisa e no que partilham. Eu venho de um país onde não há essa de exilado, como faz questão de referir – e pode per-
Facebook tem vindo a condenar e denunciar o que memória, porque as gerações mais velhas morreram ceber porquê “no capítulo 15 [ler na página 16], onde
se está a passar no seu amado país.
todas em guerras sem sentido – e continuam a morrer, conto toda a história de luta contra o primeiro-ministro
Em Cerveira, encontrou a casa que lhe deu seguran- infelizmente. Então, para mim é como se não existisse Netanyahu e como isso me trouxe até aqui”, que nos
ça para escrever. E é sobre a sua vida cá, nos primeiros essa memória dos meus antepassados, é algo com o cedeu para publicação.
anos, que versa o seu recente livro. A mágoa sobre a qual nunca convivi, porque existe um vazio. A energia
forma como saiu de Israel e o responsável ainda exis- que presenciei é muito forte e tocou-me”, conta. Em relação a Portugal, Igal Sarna refere ser “o oposto
tem. “Eu espero que o meu país se livre de Netanyahu de Israel. Israel é muito agitado, muito neurótico. Aqui,
e o mande para a prisão. Ele apenas quer saber do di- Publicação em português é o próximo objetivo as pessoas são muito simpáticas, muito educadas. A
nheiro, é corrupto. Não quer saber dos israelitas. Eu tive O livro chama-se “A House to Call Home: A Traveler vida é muito mais lenta, principalmente na aldeia. Não
de me exilar em Portugal porque nunca me escondi, Finds a Haven in North Portugal’s Lost Paradise” (em vou falar de Lisboa ou Porto, que acaba por ser igual
sempre escrevi sobre o mal que ele faz a Israel. Quan- tradução livre, “Uma casa para chamar lar: um viajan- a qualquer cidade mundial, mas da aldeia”. Pergun-
do decidi sair, como um exilado, tive amigos que me in- te encontra um refúgio no paraíso perdido do Norte tamos: é por não ouvir as bombas? “Em Tel Aviv não
dicaram Portugal para viver, nomeadamente, o Zadok de Portugal”), e procura um editor que possa fazer ouvíamos bombas. Na maioria do tempo, é uma cida-
Ben-David [artista israelita]. E na primeira vez que pisei a publicação em português. Está tudo preparado e, de maravilhosa e agitada, os meus filhos ainda lá estão.
em Cerveira, senti que era a minha casa. Aliás, o meu inclusivamente, a tradução já está feita. Falta apenas Mas sim, sente-se muita tensão, essencialmente políti-
nome tem origem polaca e tem ligação à palavra cervo, uma editora para publicar o livro em português, que ca, é assim há mais de 100 anos. Sempre senti essa ten-
a imagem central do concelho que me acolheu. Tenho se interesse pelo projeto. “Em França, em Inglaterra, na são, é uma coisa que vive connosco. Eu aqui continuo a
encontrado muitos amigos que têm feito com que a América, há muita coisa traduzida do hebraico para as ser muito ativo politicamente, estou sempre conecta-
minha estadia esteja a ser muito boa, pessoas como línguas locais, mas aqui há pouca coisa dos escritores do no Facebook, faz parte de mim ser assim, da minha
a Alexandrina, o Zé Paulo e outros que poderia aqui israelitas traduzido para português. Em Israel, tradu- formação como jornalista. Não posso deixar passar em
nomear”, afirma o escritor em entrevista à Revista Sim. zimos tudo o que de bom há em português, como o claro o que o Netanyahu fez e continua a fazer ao nos-
so povo”, finaliza.
22 OUTUBRO · 2023