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PÓVOA DE LANHOSO
Inquérito chegou a 43 pessoas
PÓVOA DE LANHOSO TRAÇA RETRATO
INVISÍVEL DOS CUIDADORES INFORMAIS
Texto: Patrícia Sousa
S ão mãos que medicam, alimentam, limpam e consolam
— mas raramente descansam. Na Póvoa de Lanhoso,
há uma geração silenciosa que cuida dos outros en-
quanto o tempo lhes foge entre tarefas e afetos. Cha-
mam-se cuidadores informais — heróis sem crachá, in-
visíveis na pressa dos dias. O município decidiu olhar de frente esta
realidade tantas vezes escondida e mostra, com dados e histórias,
o que acontece quando o amor se torna profissão sem salário.
Há uma força silenciosa que sustenta famílias inteiras, um gesto re-
petido mil vezes no quotidiano, quase sempre fora dos holofotes. É
o gesto de cuidar. Na Póvoa de Lanhoso, esse gesto começa agora a
ganhar rosto, voz e número. A Câmara Municipal da Póvoa de Lanho-
so está a elaborar o perfil do Cuidador Informal do concelho, um le-
vantamento que pretende compreender quem são, como vivem e de
que forma se pode melhorar a sua qualidade de vida — e, consequen-
temente, a das pessoas que cuidam. “Existe necessidade de conhecer
a realidade dos cuidadores informais (com e sem Estatuto) e as suas
necessidades para prepararmos respostas mais objetivas e sustenta-
das que potenciem um aumento da qualidade de vida do cuidador e situação profissional, os números expõem fragilidades: 44,2% estão
da pessoa cuidada”, explica a vereadora da Câmara Municipal, Fátima desempregados e 32,6% são pensionistas. São pessoas com baixos
Moreira. recursos económicos, o que limita o acesso a serviços que conside-
ram fundamentais para o seu bem-estar. Apenas 23,2% conseguem
Apesar da realidade ser dinâmica e difícil de quantificar, já foi possível conciliar trabalho e cuidado, e a maioria admite gerir o orçamento fa-
recolher dados significativos através de um inquérito por questionário miliar com alguma (41,9%) ou grande dificuldade (25,6%).
online, que chegou a 43 cuidadores. Destes, 15 afirmaram beneficiar
do Estatuto do Cuidador Informal, aprovado pelo Governo em 2019. Do outro lado desta relação estão as pessoas cuidadas — maioritaria-
Mas o município sabe que há muitos mais. mente mulheres com mais de 66 anos (60%), que vivem na mesma
casa do cuidador (88,4%). Em 95,3% dos casos, os cuidados são diá-
Segundo a autarca, “o objetivo deste levantamento vai de encontro ao rios e prolongados, cobrindo tarefas como higiene pessoal, alimenta-
trabalho que tem sido desenvolvido pelo GACI – Gabinete de Apoio ção, medicação, limpeza doméstica e acompanhamento a consultas
ao Cuidador Informal de orientar e informar os cuidadores informais médicas.
sobre os seus direitos, que se encontram patentes no Estatuto do
Cuidador Informal, e na possibilidade ao acesso ao Subsídio de Apoio Mas cuidar tem custos — físicos, mentais e emocionais. Mais de meta-
ao Cuidador Informal”. de (55,8%) dos cuidadores refere um impacto moderado na saúde fí-
sica, e quase um terço (27,9%) sente efeitos elevados na saúde mental.
O gabinete, criado para apoiar este público, promove ainda grupos de A dimensão social também se ressente: 51,2% reconhecem ter reduzi-
ajuda mútua, apoio psicológico e encaminhamento para serviços so- do a vida social e 34,9% dizem tê-la abandonado quase por completo.
ciais. No entanto, a recolha de dados concretos é essencial para que a
rede de apoio possa evoluir de forma mais direcionada e eficaz. O impacto económico não é menor. Quase 90% dos inquiridos repor-
tam consequências financeiras diretas, desde a redução de refeições
PRECISAM DE DESCANSO, APOIO FINANCEIRO E diárias ao diminuição das horas de sono para equilibrar tarefas.
PSICOLÓGICO
Quando questionados sobre as principais necessidades, os cuidado-
O estudo permitiu, pela primeira vez, traçar um retrato social e huma- res foram unânimes: descanso, apoio financeiro e apoio psicológico
no do cuidador informal do concelho. A esmagadora maioria são mu- são as prioridades urgentes.
lheres (86%), com idades entre 40 e 59 anos, embora haja um dado
revelador: 11,6% têm mais de 80 anos e continuam a cuidar de alguém. Com este levantamento, a Câmara Municipal da Póvoa de Lanhoso
A grande parte vive casada (76,7%) e presta cuidados sobretudo a pais dá um passo decisivo para tornar visível o invisível. Porque cuidar é
ou mães (37,2%) ou ao cônjuge (27,9%). um ato de amor — mas também um ato que exige políticas públicas
robustas, empatia coletiva e compromisso institucional. Através do
Em termos de escolaridade, o cenário é equitativo, com o 1.º ciclo de trabalho do GACI e desta análise detalhada, o concelho reforça o seu
ensino mais presente entre os cuidadores mais idosos. Já quanto à papel de comunidade que cuida de quem cuida.
74 NOVEMBRO · 2025 #SIMatuaREVISTA

