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ENTREVISTA                                                                                                                              ENTREVISTA



                 Entra na Rusga de São Vicente de Braga   amigos, mas com responsabilidades acresci-  Fomos dos primeiros grupos a fazer espetá-
               em 1979. Como recorda esse dia?      das de fomentar e divulgar a cultura popular   culos  temáticos  das  vindimas.  Em  meados
                                                    tradicional. Neste sentido, o ‘espírito rusguei-  da década de 80, recuperámos as festas dos
                 Recordo-me  bem. Fui em companhia  de   ro’ tem a ver com a essência mais natural de   Santos Populares no Miradouro de Guadalu-
               um irmão meu  e de  alguns  elementos  do   grupo informal, gente que gosta das tradições   pe,  onde incluíamos  as  marchas  e o  festival
               Agrupamento de Escuteiros N.º 19 de São Vi-  minhotas ao nível da dança e do canto.
               cente. Estávamos a poucos dias do São João                                folclórico. Foi por causa desta nossa atividade
                                                                                         que o vereador da cultura à época, Luís Ma-
               e havia falta de homens para a rusga. Quem
               estava a liderar decidiu voltar às origens, isto                          teus,  quis saber  quem  estava  a liderar  estes
               é, a primeira rusga realizada contou com qua-                             projetos. Foi nessa  altura  que me lançou  o
               tro ou cinco elementos dos escuteiros. Assim                              repto para implementar um movimento asso-
               foi.  Apareceram os  mais  velhos,  alguns  com                           ciativo popular.
               cargos de Direção como foi o meu caso onde                                 Correu bem?
               tinha  sido  empossado  como  dirigente  há   A ‘Rusga de São Vicente’
               pouco tempo. Pensei que fosse só para aque-                                Correu porque esse trabalho já o fazia aqui
               le ano…no ano seguinte voltou a pedir. Caso  é uma marca. Está no         na  ‘Rusga’.  Tivemos  projetos  muito  interes-
               não fossemos, a rusga acabaria.      mercado e que se impõe               santes.  Lembro  o que  foi  feito  na  Avenida

                 Face ao contexto, decidiu avançar…  por si. Somos sinónimo de           Central. Tudo era muito cénico, como as des-
                                                                                         folhadas,  o  tempo  das  vindimadas…todas  as
                 Sim, decidi. No entanto, fui claro: para ficar  qualidade, com projetos   iniciativas no âmbito da cultura popular foram
               tinha de haver mudanças. Não fazia sentido   inovadores e sem perder      iniciadas por mim em finais da década de 80.
               aparecer unicamente uma vez por ano. Tinha                                É por essa altura que surgem os ‘Encontros
               de ser preparada e arranjar um reportório. O  a nossa identidade.         de Reis’, a animação de domingo na Avenida
               grupo nem 30 elementos tinha. Hoje somos                                  Central, as exposições temáticas na ‘Casa dos
               o dobro.                                                                  Crivos’ que hoje não existem para muita pena
                 Como  carateriza a  ‘Rusga’ que encon-  As  pessoas  notam  quando  o  grupo  per-  minha pois foram lançados muitos jovens ar-
                                                                                         tesãos a trabalharem a madeira, cerâmica, al-
               trou?                                tence a uma ‘Rusga’?
                                                                                         faias, tecelagem…
                 Muito diferente do que é hoje, desde logo   Aquilo que oiço dizer é que as pessoas no-
               pela sua essência. Quando cheguei só eram   tam diferenças. Desde logo pela nossa infor-  Estar  no pelouro da  cultura  da Câmara
               ensaiadas duas danças para o São João. O to-  malidade, pelo espírito festeiro que demons-  de Braga foi o incremento que faltava para
               cador – com poucos dotes para a concertina   tramos. Porém, para podermos avançar com   impulsionar o impacto da ‘Rusga de São Vi-
               – só tocava um ‘Vira’ e um ‘Malhão’ e onde só   candidaturas a apoios financeiros, tivemos de   cente’?
               alguns conseguiam dançar. A atividade resu-  abdicar um pouco deste espírito e criar uma   Concordo. Recordo, por exemplo, o impac-
               mia-se a isto: fazer a noite de São João e, no   personalidade  jurídica.  Atrasamos este  pro-  to que tivemos na ‘Expo 98’ onde apresentá-
               dia seguinte, ir ao palco, instalado na Avenida   cesso o mais que pudemos até que em 1990   mos quatro vezes o espetáculo que idealizá-
               Central, para apurar qual a rusga vencedora   passamos a ser uma associação.
               do ano. Daí que, mais tarde, tenha adaptado                               mos (“O Trabalho e a Festa – reminiscências
               o slogan: ‘Rusgas é gente que bai, faz e bem   O saber é passado de geração em geração   de um passado recente”). Não me sai da me-
               das festas!’.                        com dificuldade ou nem por isso?     mória pelo que provocou e por onde andou.
                                                                                         Lembro apenas alguns lugares: Aula Magna
                 Nota alguma mudança pós 25 de Abril no   Temos  feito esse trabalho.  O primordial  é   de Lisboa, Centro Cultural de Belém, Fórum
               ‘espírito rusgueiro’?                que os mais novos conheçam a nossa história.   de  Santiago  de  Compostela.  Foi  uma  honra
                                                    Não há provas de admissão, mas temos vídeos   e um orgulho. No ano passado também tive-
                 A rusga  era  um grupo  de  amigos,  organi-  que mostram como era a ‘Rusga’ há 40 anos.   mos outra produção de grande nível intitula-
               zado mais ou menos ‘ad hoc’, que pega em   Contudo, não é fácil. Por exemplo, a questão   da ‘Olha a roda que a saia tem’ feita no Mos-
               alguns  tocadores (concertina,  violão,  bom-  da sede (inaugurada em junho 2003) foi uma   teiro de Tibães onde reuniu teatro, tradição e
               bo,  ferrinhos  e reque-reque),  mais  uns  ces-  negociação  difícil, porque  não  queríamos   música minhota.
               tos  com  um merendeiro  e vão  desfrutar  da   perder a identidade como território. Lembro
               noite.  O  cortejo  tinha  o  propósito  de  trazer   que na altura – no tempo do presidente Mes-  “Serões  no Burgo/Tertúlias  Rusgueiras”
               as  diferentes  freguesias.  Após  a  Revolução,   quita Machado – recebemos a proposta para   é  uma  aposta  que  ultrapassa  20  anos.  Sei
               as  rusgas  transformaram-se  em  associações   irmos para o polo desportivo da Rodovia por-  que sente uma afinidade particular por este
               culturais e recreativas. O movimento associa-  que havia muitas salas disponíveis. Negámos   desafio. Presumo que lhe afague o ânimo…
               tivo começa a ganhar dimensão. Com desig-  porque esvaziava de sentido a nossa máxima
               nação de ‘Rusga’, ao longo de 30 anos, fomos   de sermos de São Vicente, de sermos desta   É verdade (sorri). Iniciámos com figuras do
               a única em Braga. As outras passaram para o   rua, deste burgo. Há um sentido de pertença   nosso  burgo  até  termos  como  convidados
               estatuto de grupo folclórico o que, na altura,   por parte das pessoas.   Ministros,  Reitores,  gente  da  área  da  saúde,
               pressupunha um estatuto superior.                                         poesia, literatura, professores, investigadores.
                                                     A vossa resiliência justifica serem um sím-
                 Com a essência transformada, como defi-  bolo cultural de Braga?        São 20 anos de palestras de forma consecu-
               ne ‘Rusga’?                                                               tiva e onde já passaram mais de 500 convi-
                                                     Sem dúvida. A ‘Rusga de São Vicente’ é uma   dados. Cada serão contempla três momentos
                 Aquilo que ainda gosto de fazer sentir aos   marca. Está no mercado e que se impõe por si.   artísticos…fomos muito inovadores. A Câma-
               elementos, que não tiveram qualquer ligação   Somos sinónimo de qualidade, com projetos   ra  de Braga,  neste sentido,  reconhece  que
               ao passado, é sermos um grupo informal, de   inovadores e sem perder a nossa identidade.   somos um grupo pioneiro.

               30                                               JULHO · 2025                                 #SIMatuaREVISTA
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