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ENTREVISTA
Que mudanças se poderão estar, eventual- entre israelitas e palestinianos – se é que
mente, a equacionar a este nível, tendo em este não é um problema que envolve outros
conta a diminuição das vocações e as neces- povos? O que pensa sobre esta questão em
sidades das paróquias? concreto?
O Papa Francisco sublinha que estamos numa Que todas as partes parem com o uso de armas,
mudança de época e está tudo interligado, inclu- porque toda a guerra é uma ruína. Que as auto-
sive, a diminuição das vocações, sobretudo nesta ridades israelitas e palestinianas renovem cora-
velha Europa cristã que deu tantas vocações no josamente seu compromisso com uma paz
passado e daqui aconteceu a Evangelização de baseada na justiça e no respeito às aspirações
muitos povos e de alguns continentes. Agora legítimas de ambas as partes. O diálogo é a única
está a acontecer o contrário. Estamos a receber solução prática para pôr um fim à desumanida-
esses continentes, e felizmente assim é. Habi- de.
tualmente dizemos que, no primeiro milénio, a O Papa Francisco tem apelado, por via das
Igreja se concentrou na Europa e, no segundo encíclicas, para a importância de sabermos
milénio, na África. No terceiro milénio está na cuidar da nossa “casa comum”. Como pode a
Ásia. Mas a realidade é, de facto, a diminuição de sociedade responder a este desígnio, se con-
vocações sacerdotais, que está também relacio- tinuam a existir países inscritos no mapa do
nada com a diminuição da população da nata- terceiro mundo? O que compete fazer a cada
lidade. Este é também um desafio para a Igreja cristão?
porque o essencial é a Evangelização que passa
pela Eucaristia, pelo Evangelho, no entanto, há Trata-se de um compromisso de relação com
muitas missões que eram realizadas pelos sacer- Deus e com os outros e cada um consigo próprio,
dotes e que hoje podem e devem ser protagoni- com a história e com a casa comum da criação.
zadas por leigos e leigas - homens e mulheres – Esta casa comum é uma coresponsabilidade
e, por isso, a abertura dos ministérios instituídos que tem que ser vivida na inteireza da pessoa
de leitor, acólito, catequista e de outros minis- humana de uma maneira integral - a chamada
térios e serviços na Igreja para que, cada um, ecologia integral. O respeito pelo próximo não
possa viver em pleno o batismo que recebeu, é apenas pelo outro que precisa de nós, mas é
numa comunhão de corresponsabilidade diver- É a favor ou contra o casamento do todo aquele que precisa de mim, e esse próximo
sificada, em que cada um assume a sua missão sacerdote? é também o aqui – e que é o cuidar da natureza e
na sua vocação, mas todos contribuem para de todos sermos corresponsáveis daquilo que é a
o mesmo propósito de Igreja Universal - uma Provavelmente, a ordenação de homens casados casa comum – uma casa que é de todos, pelo que
Igreja presente em Portugal, em cada diocese. virá mais cedo, como já acontece na Igreja do cada um deverá exercer essa sua missão bem, no
Na Arquidiocese de Braga é este caminho que Oriente. Na Igreja, o celibato gratuito, juntamen- respeito da tolerância, nos bons hábitos da nossa
estamos a percorrer juntos, com a luz do Espí- te com a sobriedade de vida, a pobreza evangéli- relação com a com a Terra e com todas as pessoas
rito Santo, no sentido de renovação e perceção ca voluntária, a obediência pastoral, a escuta e o e seres com quem partilhamos o planeta. As alte-
das reais necessidades que a realidade convoca, anúncio da Palavra de Deus formam um todo na rações climáticas, de que estamos a ser também
com novos modos de Evangelizar e de construir vida e no ministério do sacerdote. vítimas, têm a ver com esta falta de cuidado que
comunidade. No passado os padres organiza- Depois de se assumirem publicamente casos já vem de há muitos anos, mas se cada um de nós
ram-se de outra maneira e criaram muitas paró- de pedofilia no seio da Igreja, que caminho fizer a sua parte no cuidado diário que é neces-
quias também porque havia mais padres do que considera ser importante realizar para recu- sário na sua casa, na rua, no respeito por todas as
paróquias. Hoje é o inverso. Há mais paróquias perar a imagem da instituição? indicações que são dadas para a construção do
do que padres. Na Arquidiocese de Braga, por bem comum, e tendo sempre presente o hori-
exemplo, são 551 paróquias, quando são apenas Com grande desassossego e sentido de pesar. zonte maior da dignidade da pessoa humana,
200 párocos para servir estas comunidades. No Encontramos pessoalmente e ouvimos os teste- torna-se mais belo viver neste mundo, onde não
passado cada paróquia uma tinha o seu pároco, munhos de algumas pessoas que foram vítimas somos concorrentes nem inimigos, mas somos
mas hoje já são várias comunidades entregues a de abuso sexual por membros da Igreja. As suas irmãos e irmãs. Como dizia Santo Agostinho:
um pároco só. Por isso tem de existir a colabora- histórias e o seu sofrimento dilaceraram o nosso “que tu sejas, que tu vivas em plenitude a vida”
ção de uma pastoral e o caminho não é de comu- coração. Conscientes de que o olhar sobre a e, se cada um contribuir para que o outro viva em
nidade, mas de comunidades. Este tempo é um vítima não pode ser o mesmo que sobre o abu- plenitude, estamos certamente todos a construir
grande desafio, um tempo de surpresas e, por sador, ousamos partir da súplica humilde e con- esta harmonia planetária.
isso, também acreditamos que a vida cristã não fiante a Deus para que nos conceda um olhar
se explica com o passado, mas com o futuro. de compaixão sobre todos: em primeiro lugar, Que mensagem gostaria de deixar aos
às vítimas, mas também aos abusadores e silen- minhotos?
ciadores e a todos os que se escandalizam com
a atuação de alguns membros da Igreja, as famí- A Esperança nasceu no Natal. Todos somos
lias e a sociedade em geral. Confiamos que o peregrinos de esperança, quando construímos
processo de purificação que estamos a encetar o Bem Comum e promovemos a dignidade da
abra para a Igreja um novo futuro, marcado pessoa humana. Juntos no caminho de Páscoa,
pelo reconhecimento humilde e transparente para um mundo mais humano, mais fraterno e
dos seus erros e pecados, pelo acolhimento das mais solidário.
vítimas e pela criação de uma cultura de preven- O que pedirá neste Natal?
“Não é suficiente ção e cuidado. Todos somos convocados a uma Que caminhemos juntos, preparando o caminho
conversão pessoal, pastoral e missionária, para a
o pedido do qual não é suficiente o pedido do perdão! Este é do Senhor, com o olhar fixo na promessa de um
Natal que renova o mundo. Que cada um de nós
o caminho que queremos percorrer.
possa ser, neste Natal, um portador da esperança
perdão” Partamos agora em viagem pelo mundo fora. que vem de Jesus Cristo, do Pão que se faz Casa,
Que visão sobre o conflito armado no Médio
onde se iluminam todas as sombras e trevas, para
Oriente? O que se pode fazer, na sua opinião, gerar esperança em todos os corações.
para travar a guerra de uma vez por todas
14 DEZEMBRO · 2024 #SIMatuaREVISTA