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REPORTAGEM
            LETRAS DE BRAGA




            Preservar a história visual da cidade
            C           omeçou em 2016, com a intenção de catalogar os elementos   ESTABELECIMENTOS ESTÃO A ENTREGAR OS LETREIROS, MAS ALGUNS


                        gráficos e tipográficos da cidade. E a Nuno Dias, o percursor,
                                                                     AINDA TÊM RECEIO
                        juntou-se mais tarde Luís Tarroso Gomes, Diretor da Velha-a-
                                                                     Se inicialmente o primeiro instinto é o receio de que os letreiros sejam para vender para
                        -Branca, dando força a este projeto que é para a cidade: o desejo
                        é que se possa fazer uma exposição com os letreiros recolhidos.
                                                                     projeto e contribuem de forma apaixonada. “Começámos a recolher depoimentos dos
                        O motivo para existir o Letras de Braga é simples. “Tenho uma grande   ferro velho, rapidamente os proprietários percebem a motivação que está por detrás do
                                                                     proprietários ou família, fotos antigas da loja, a história dos espaços para complementar
            paixão por estes assuntos porque sou designer gráfico. Posso dizer que o ponto de par-  o letreiro recolhido… Não é só documentar o que existe, mas valorizar. Hoje, passamos
            tida surgiu quando me deparei com o livro da designer Louise Fili, “Graphique de la Rue:   por uma loja e está lá um letreiro, amanhã pode já lá não estar, porque o edifício pode
            The Signs of Paris” – ela fê-lo também em Roma e Barcelona. Pensei que seria interes-  ser vendido, ou pode haver obras e vai tudo para o lixo, nunca sabemos bem o que vai
            sante reproduzi-lo cá em Braga. Há alguns projetos de memória semelhantes na cidade,   acontecer…”, lamenta Luís Tarroso Gomes.
            como o “Lojas com História”, mas nada focado na tipografia”, refere Nuno Dias, fundador
            do Letras de Braga. Em Lisboa, que conta 350 letreiros no espólio, o processo está mais   Felizmente, já há mais interessados em ceder os seus letreiros ao Letras de Braga, de
            avançado. O projeto Letreiro Galeria, de Rita Múrias e Paulo Barata, foca-se mais na zona   forma a ser preservado. Muitos deles estão guardados em sótãos ou armazéns há anos,
            da capital, apesar de recolherem letreiros de outros pontos do País, e acabaram por ser   sem destino para eles e ainda não foram para o lixo porque a memória da família não
            eles que lhe despertaram o “bichinho” a Nuno Dias para avançar. Da catalogação que   permite. “Para muitas famílias, é um alívio entregar os letreiros, porque lhes dão um fim.
            começou em 2016, passou em 2021 a fazer recolha já com a ajuda do parceiro de projeto.  Outras ficam felizes por saber que vamos preservar a sua história”, assegura Nuno Dias.
                                                                     “Já encontrámos histórias muito engraçadas sobre as lojas e seus letreiros”.
            Atá ao momento, há 14 elementos gráficos recolhidos (publicidades, letreiros das lojas   LICENÇAS E FORMATO OBRIGAM À RETIRADA
            e empresas, indicações, tudo faz parte da memória tipográfica da cidade) e mais quatro
            para recolher, mas os mentores querem mais.              Ao longo dos anos, os municípios foram criando regras cada vez mais restritivas no
            Luís Tarroso Gomes sempre se considerou um apaixonado por este tema, embora mais   que diz respeito à apresentação visual das empresas para o exterior, para criar alguma
            como residente da cidade habituado a conviver com os letreiros diariamente, por faze-  harmonia no espaço público. Ou, em alternativa, começaram a cobrar taxas elevadas
            rem parte do seu dia a dia. “Nos anos 90, estes letreiros começaram a desaparecer, quan-  a quem quisesse manter os letreiros “fora do permitido pelas novas regras”. “Muitas
            do aconteceu a vaga da renovação do comércio da cidade. Antes, havia aquele fascínio   pessoas com quem falámos preferiu retirar os letreiros que pagar as taxas. Outras, pedi-
            pelos reclames luminosos que davam um colorido especial à noite da cidade. E eles fo-  ram para mudar para letreiros mais atuais ou dentro da nova legislação – e quem vinha
            ram desaparecendo, ou porque os proprietários renovaram os espaços e optaram por   montar o novo levava o antigo e enviava para o lixo. Noutros casos, veículos mais altos a
            algo diferente, ou porque foram impedidos pela câmara ou mesmo porque a renovação   circular junto dos espaços comerciais partiram os letreiros e depois foram substituídos
            da licença do letreiro era muito cara”, lamenta o diretor da Velha a Branca, Estaleiro Cul-  por novos e, claro, a renovação dos espaços faz com que se percam muitos letreiros his-
            tural, parceiro do Letras de Braga.                      tóricos para o lixo”, explica Nuno Dias.
















































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